Esta crônica integra o livro “O Rio do Moa”, de Moacyr Luz.
Nessa minha vida de bússola descompassada, morei, criança em Bangu. Não havia sensação térmica. Era imersão tórrida.
Quase esquizofrênico, zanzei também por Copacabana, no tempo em que a Avenida Atlântica ainda seguia em mão dupla, lentos carros do Leme ao Posto 6, rés da TV Rio e seus primeiros estúdios. Os turistas usavam um bronzeador vermelho aditivado, um urucum-bull no formato de travesseiro.
Na volta ao hotel, metade da pele assada e tatuada para sempre no quarador das esteiras de palhinha, o que sobrava, ardia mais que pimenta malagueta, daquelas do Pará. O sujeito fritava a olhos nus, não era sensação. Alguns sentavam ao redor das barraquinhas de refrigerantes implorando por uma barra de gelo na cabeça. Os artistas de plantão frigiam ovos no asfalto pra lá de selvagem. Pedido feito: gema dura, por favor!
Bangu registrava a máxima.
Das ruas desenhadas com pó de pedra, o calor produzia um delírio de fluidos em chamas.
Não era sensação apenas, qualquer um derretia ao meio-dia.
O ventilador, tonto de tanto girar, pipocava no piso da sala. Mais barulho que eficiência, suas palhetas lembravam hélices de um antigo Electra da ponte aérea.
Recentemente criaram e distribuíram nas ruas os termômetros com anúncios publicitários. Cá pra nós, aquelas torres com números digitais, apresentando graus centígrados dignos de recordes enquanto as autoridades climáticas, desmentindo a quentura, amenizam com leques o teu suor, agride.
Parênteses.
Outra categoria que usualmente contraria os dados de um verão abrasador é a de taxista.
Você precisa implorar, desidratado, pra ligar o ar condicionado e ainda escuta um grunhido enquanto os vidros são fechados.
Voltando à vaca quente, a novidade é a sensação térmica.
Com ares de fim de mundo, o sujeito, quase um beduíno do Saara, se achando rejeitado no purgatório, anota a última frase do apresentador com um dedo no mapa virtual: “Na verdade, é apenas uma sensação térmica!”.
Recordo um vizinho que, pego pela Lei Seca com um litro de uísque na cabeça, hálito de barril de pólvora, se desculpa ao agente da operação: “Meu camarada, parece que eu bebi, né? Mas é só a sensação. Tô bonzinho!”.
Mais um caso pro Santo, o protetor.