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crônica

Enquanto bebemos à espera do último copo

[PREFÁCIO DO LIVRO ‘DE HOJE NÃO PASSA‘, QUE ESTÁ EM PRÉ-VENDA ATÉ DIA 15 DE MARÇO]

Capa do livro ‘De hoje não passa’, de Eduardo Goldenberg e Julio Bernardo

O que esperar da troca de correspondência de dois amigos de longa data? Muita ternura e tudo que possa ganhar status de vizinhança. Mas, se esses amigos além de tudo são dois ótimos escritores, você também é brindado e contemplado com ótima literatura (Kerouac/Ginsberg, Jorge Amado/ Saramago, Armando Freitas Filho/Ana C), confissão de boteco onde cada um tem seu tempo para falar o que lhe vier à cabeça e contar o que lhe interessa no momento, sem a presença às vezes restritiva de um interlocutor in loco. O tijucano Eduardo Goldenberg fica sabendo que vai ter um filho, o seu primeiro filho, que vai se chamar Leonel em oportuna e entusiasmada homenagem ao ídolo Leonel Brizola. Uma espécie de renascimento, um sopro de vida nas velhas artérias que faz com que ele escreva maravilhado durante todo o livro, sobrevivendo às custas da boa nova que não lhe sai da cabeça em nenhum momento. Julio vive o extremo oposto, um salto no escuro, sem motivo pra comemorar, bebendo o fel do amargor com duas pedras de gelo de poética melancolia: “não conheço maneira mais honrada de morrer que a atitude de ter um filho”. E, entre lembranças boêmias, cólicas e paternidade, o livro vai deslizando suave como um bom trago de whisky. Apenas dois amigos, seus dissabores e esperanças, suas mulheres e a falta delas — “as mulheres só me suportam bêbado” / “Deus me livre e guarde, Julio! Desconjure! Se você já é tão amargo bebum imagine sóbrio? Eu tô é fora!” —, suas tentativas de suicídio discreto, eventuais turbulências em um voo que parece fadado ao leve farfalhar de nuvens sem maiores consequências. Enquanto Eduardo parece não se conter de alegria e ansiedade contando os dias que antecedem a chegada do filho, Julio enumera seus dias de infortúnio que culminam na tentativa de se empregar como Santa Claus em um boteco onde poderia “xingar os convidados” e acaba por sair de lá chutando renas e duendes assim que descobre que o evento é patrocinado por uma marca de cachaça repudiada por ele. Enquanto Julio lamenta tristemente o suicídio do grande escritor cozinheiro Anthony Bourdain, Edu segue otimista prevendo e planejando o encontro dos amigos no final de ano. Duas vidas correndo paralelas, mas ligadas pela simbiose perfeita da amizade. É um livro para ler sem reservas, para ser devorado com sofreguidão como um dos pratos adorados pelo chef Jota Bê (pseudônimo do escritor Julio Bernardo), como a dobradinha de Talitha Barros (iguaria também venerada por esse que vos escreve). Um livro que persegue dias de sol mesmo nos períodos mais nublados. Por isso não há por que estranhar, perdida entre questões cotidianas, uma declaração que pode soar tão niilista quanto essa de Julio: “os vitoriosos que me perdoem, mas as derrotas são muito mais bonitas e, mais que isso, fundamentais”. É só não esquecer a capa de chuva quando sair pra tomar um Dry Martini e levar o Shoyu pra passear.

Mário Bortolotto
Escritor, dramaturgo, ator e compositor

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PTSC #24

Foto: Rodrigo Macedo
Foto: Rodrigo Macedo

Sr. ou Sra. Leonor? Como? Leonora? É Leonor e é senhora, mas nem tão senhora, embora tenha um filho de 15 anos. É que foi mãe cedo, aos 19 anos. E além do Lucas – seu filho – essa gestação gerou mais um rebento, o livro ENEOTIL: mãe é pra quem a gente pode contar tudo, mas não conta nada. Com muito humor e afeto, ela conta que ser mãe é uma briga constante entre emoção e razão, a vontade egoísta de não deixá-lo ir e a lembrança da vida que você queria ter quando tinha a idade dele.

Namorando a Mórula há um tempinho, lança o livro agora em março pela editora. Tem ainda uma promoção pra quem não puder ir ao lançamento: comprando o livro pelo site da editora até dia 1º de março recebe o livro autografado em casa com frete grátis.

Com vocês, Leonor Macedo, a @subversiva, corintiana, mãe do Lucas e jornalista, nosso ser complexo #24

_O subtítulo do seu livro é “mãe é pra quem a gente pode contar tudo mas não conta nada”. Se soubesse mais da vida do Lucas você lançaria o quê, uma enciclopédia?

Acho que toda mãe poderia lançar uma enciclopédia do próprio filho, se a gente resolvesse abrir a boca (também sou filha que não partilha tudo com a própria mãe)!

Eu-Receberia-as-Piores-Noticias-dos-Seus-Lindos-Labios

UM LIVRO

“Poucas vezes me senti tão confortável no mundo. E, no entanto, sofria, por antecipação, o grande vazio que seria o resta da minha existência sem ela.

O que acontece é que, quando estou com você, eu me perdoo por todas as lutas que a vida venceu por pontos, e me esqueço completamente que gente como eu, no fim, acaba saindo mais cedo de bares, de brigas e de amores para não pagar a conta. Isso eu poderia ter dito a ela. Mas não disse.”

Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios
Marçal Aquino
Companhia das Letras, 2005

_Julio Bernardo [no texto apresentando seu livro] fala que você transforma maternidade em arte, assim como Sócrates dava passes de calcanhar. E no futebol, dá pra se comparar ao Doutor?

Talvez só no sonho de ver um futebol democrático e usado como instrumento transformador. Mas na habilidade para o futebol, minha nossa senhora. Eu até me arrisco e não jogo de todo mal, mas jamais me compararia ao meu grande ídolo corinthiano. Dentro e fora do campo.

_Você costuma dizer que tem nome de velha. O que seus pais falam sobre isso?

Eu transformei isso em uma piada, adoro meu nome. Quando era pequenina, eu sofria, queria um nome comum. Não me conformava em ter sido batizada Leonor, lembro que queria chamar Ana. Mas meu nome é uma homenagem a minha avó que não conheci e que tenho grandes afinidades. Meus pais sempre me contaram isso até eu aprender que era um nome quase exclusivo, praticamente só meu. Eles sabem que eu brinco com isso, então levam na brincadeira também.

_Um churrasco com cerveja gelada (sem TV) ou um jogo do Corinthians no estádio (sem cerveja)?

Se for um jogo do Corinthians no Pacaembu, não importa a falta de cerveja, o calor, ou a chuva. Não troco por nada. Agora, nessas novas arenas e frias, está difícil não preferir um churrasco com cerveja gelada (e o jogo do Corinthians no radinho).

_Diga aí um jogo do Corinthians inesquecível. E um “esquecível”. 

Posso viver mil anos e nunca vou esquecer da final da Libertadores na Bombonera, em 2012. A primeira vez que pisei no estádio do Boca foi em um jogo deles, em uma viagem turística para Buenos Aires. Foi em 2007 e pensei que queria muito ver um jogo do Corinthians lá. Calhou de ser uma final de Libertadores, a nossa primeira, a invicta. E eu fui. Faltou só o Lucas do meu lado.

E esquecível? Quando o Corinthians foi eliminado pelo Palmeiras na Libertadores de 1999. Não gosto nem de lembrar.

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Mórula lança coleção com livros de Aldir Blanc

No ano em que Aldir Blanc, um dos principais letristas da música brasileira, completa 70 anos, a Mórula presta sua homenagem levando ao público um apanhado de sua obra em prosa. A coleção Aldir 70 reúne novas edições de livros já clássicos do escritor e duas obras inéditas.

Uma nova edição de “Rua dos Artistas e arredores” (lançado em 1978 pela Codecri) e o inédito “O gabinete do doutor Blanc: sobre jazz, literatura e outros improvisos” abrem a coleção. Completam a série uma nova edição de “Porta de Tinturaria” (Codecri, 1981), uma edição ampliada de “Vila Isabel, inventário da infância” (Relume Dumará, 2000) e um livro com textos publicados em jornais e revistas nos últimos 10 anos.

 

 

 

Capa da edição da Codecri do livro "Rua dos Artistas e arredores"
Capa da edição da Codecri do livro “Rua dos Artistas e arredores”

 

Estudo de capa para o livro "O gabinete do Doutor Blanc"
Estudo de capa para o livro “O gabinete do Doutor Blanc”

“Rua do Artistas e arredores” reúne textos publicados no semanário O Pasquim a partir da primeira contribuição de Aldir, no Natal de 1975, com a crônica Fimose de Natal. Selecionados e organizados pelo próprio autor, contam histórias de personagens que habitaram sua Vila Isabel, precisamente a Rua dos Artistas, onde viveu até os 11 anos. A nova edição conta com quarta capa escrita por Jaguar e uma cronologia detalhada da vida do autor.

Já “O gabinete do doutor Blanc: sobre jazz, literatura e outros improvisos” traz textos inéditos em livro e revela um lado menos conhecido do autor: sua paixão por jazz e livros policiais. Retratados em crônicas (ou “improvisos”), foram publicados originalmente na extinta revista virtual Notícia e Opinião, o No Ponto.  Editor de cultura da revista à época, Paulo Roberto Pires abre o livro com um ensaio sobre a produção dos textos que recebia e levanta a dúvida: “mas, afinal, o que publicávamos semanalmente? Resenha certamente não era. Crônica? Um pouco, às vezes. Muito sofisticados para serem rotulados ‘conversas’, demasiado informais para ganharem a etiqueta de ‘ensaios’, esses textos são mesmo improvisos”. Luis Fernando Verissimo assina a quarta capa do livro e resume a relação do escritor com o gênero musical: “Aldir não é apenas um ouvinte de jazz. É um erudito na matéria, embora disfarce sua erudição com a leveza e a criatividade que se espera de qualquer texto seu, musicado ou não”.

Para deixar a edição ainda mais caprichada, as capas são ilustradas por Allan Sieber. Sobre essa empreitada e o autor, é sintético: “Aldir Blanc é um gênio recluso. Eu sou um idiota recluso. Nos encontramos na reclusão. Uma honra fazer uma capa para um mito”.

O lançamento da coleção Aldir 70 será no dia 19 de novembro, às 14h30, no Al-Fárábi (Rua do Rosário, 30), Rio de Janeiro. A pré-venda, no site da Mórula, dos dois primeiros volumes da coleção começa amanhã, dia 10 de novembro.

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O tesouro de Aldir Blanc

Para celebrar o lançamento da coleção Aldir 70, o jornalista e escritor Luis Pimentel nos presenteou com essa crônica inédita sobre Aldir Blanc. Aproveitem!

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Aldir e o tesouro escondido na caverna da infância

Luis Pimentel

Eu vou pro Estácio, mermão! Pensa que é fácil? Né não.
No tempo do lotação já era ruim, hoje então…

O samba foi gravado em 1996, no disco que comemorava os 50 anos do compositor. Quase meio século antes dessa data, ainda no tempo do lotação, o futuro grande cronista das ruas e dos bairros do Rio de Janeiro e poeta consagrado da MPB saboreava a inocência no bom e velho Estácio de Sá. Viveu até os quatro ou cinco anos na Rua Santos Rodrigues, uma transversal (do tempo?) da lendária Maia de Lacerda – onde nasceu, se criou e até hoje (2010) vive o não menos lendário Alceu, que é seu pai e também o Ceceu Rico de suas crônicas. Entre o Estácio, Vila Isabel, a Tijuca e a Muda correm, sempre margeando o Rio Maracanã, as veias de Aldir Blanc.

Há quem não se importe, mas a Zona Norte
É feito cigana, lendo a minha sorte.

Chegando aos cinco ou seis anos de idade, Aldir chegava também à Vila, de mãos dadas com a mãe, Dona Arlete, e com a mãe da mãe, Vovó Noêmia. À frente, indefectível maço de Lincoln num bolso e programa onde lia a sorte dos cavalinhos de corrida, o intrépido Seu Alceu. Tempos depois, o filho tentou esclarecer algumas datas e fatos daqueles dias, para um inventário de infância que escreveu em homenagem ao bairro do Noel Rosa, ouviu do pai a seguinte resposta:

– Como é que, a essa altura do campeonato, você quer que eu me lembre de uma merda dessas?!

Eu vim da Maia Lacerda
E essa merda faz parte de mim.
Taí minha herança, e dela não abro mão…

No bairro poético e boêmio, o menino foi morar na Rua dos Artistas, estava em casa. E numa casa com quintal cheio de árvores frutíferas – pertinho da morada do mestre Benedito Lacerda:

– Da minha casa, eu ouvia a flauta tocada na casa dele – contou, em depoimento ao jornalista Roberto M. Moura, um dos amigos mais queridos e perdidos, como Paulo Emílio Costa Leite, Marco Aurélio Bagra e mais alguns.

O quintal servia para reunir amigos e parentes em torno das panelas e dos pratos, do radinho de pilha contando o jogo do Vasco, então Expresso da Vitória (“Sabará na ponta direita do templo…”), das garrafas, muitas garrafas.

A poesia já morava ali, à sombra das goiabeiras, laranjeiras, bananeiras, mangueiras, dos pés de abiu, sapoti, limões-bravos; a boemia só veio em seguida.

Vim do botequim,
Chamaram por mim
Na manhã…

A infância na Vila, que o poeta descreve como uma febre (“Vila Isabel é a febre de viver, que não passará enquanto eu respirar”) – pelo menos até os 13 ou 14 anos, quando voltou a morar no Estácio – desvenda o tesouro da caverna na obra do compositor. Tá quase tudo lá, vem quase tudo de lá, e nada se perdeu ou foi desperdiçado: o “asmático rondando pelo corredor”, as hemoptises, os palavrões, as brigas e confraternizações em família, o amor desgovernado pedindo cama na rua, os feudos, as frases de efeito, as farsas e o futebol, os funcionários de plantão e os desempregados por opção, dentes estragados, os butecos com as declarações mais sublimes ou os desabafos mais escrotos:

Piada suja, bofetão na cara,
E essa vontade de soltar um barro.

Pensa que Aldir Blanc viveu só de brisa, melodia e poesia? Nada disto. Teve estudo, tudo certinho. Primário na Escola Municipal Barão Homem de Mello, ginásio no tradicionalíssimo Colégio São José, curso superior na Faculdade de Medicina e Cirurgia, com estágio no Hospital Psiquiátrico Engenho de Dentro – como médico, claro. De poeta e de louco, ele tem muito mais do primeiro.

A porcelana e o alabastro na pele que eu vou beijar
O escuro arás do astro na boca que me afogar
Os veios que há no mármore nos seios de Conceição
E desafeto mais paixão e porque sim e porque não.

Tirem suas conclusões.

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