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O tesouro de Aldir Blanc

Para celebrar o lançamento da coleção Aldir 70, o jornalista e escritor Luis Pimentel nos presenteou com essa crônica inédita sobre Aldir Blanc. Aproveitem!

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Aldir e o tesouro escondido na caverna da infância

Luis Pimentel

Eu vou pro Estácio, mermão! Pensa que é fácil? Né não.
No tempo do lotação já era ruim, hoje então…

O samba foi gravado em 1996, no disco que comemorava os 50 anos do compositor. Quase meio século antes dessa data, ainda no tempo do lotação, o futuro grande cronista das ruas e dos bairros do Rio de Janeiro e poeta consagrado da MPB saboreava a inocência no bom e velho Estácio de Sá. Viveu até os quatro ou cinco anos na Rua Santos Rodrigues, uma transversal (do tempo?) da lendária Maia de Lacerda – onde nasceu, se criou e até hoje (2010) vive o não menos lendário Alceu, que é seu pai e também o Ceceu Rico de suas crônicas. Entre o Estácio, Vila Isabel, a Tijuca e a Muda correm, sempre margeando o Rio Maracanã, as veias de Aldir Blanc.

Há quem não se importe, mas a Zona Norte
É feito cigana, lendo a minha sorte.

Chegando aos cinco ou seis anos de idade, Aldir chegava também à Vila, de mãos dadas com a mãe, Dona Arlete, e com a mãe da mãe, Vovó Noêmia. À frente, indefectível maço de Lincoln num bolso e programa onde lia a sorte dos cavalinhos de corrida, o intrépido Seu Alceu. Tempos depois, o filho tentou esclarecer algumas datas e fatos daqueles dias, para um inventário de infância que escreveu em homenagem ao bairro do Noel Rosa, ouviu do pai a seguinte resposta:

– Como é que, a essa altura do campeonato, você quer que eu me lembre de uma merda dessas?!

Eu vim da Maia Lacerda
E essa merda faz parte de mim.
Taí minha herança, e dela não abro mão…

No bairro poético e boêmio, o menino foi morar na Rua dos Artistas, estava em casa. E numa casa com quintal cheio de árvores frutíferas – pertinho da morada do mestre Benedito Lacerda:

– Da minha casa, eu ouvia a flauta tocada na casa dele – contou, em depoimento ao jornalista Roberto M. Moura, um dos amigos mais queridos e perdidos, como Paulo Emílio Costa Leite, Marco Aurélio Bagra e mais alguns.

O quintal servia para reunir amigos e parentes em torno das panelas e dos pratos, do radinho de pilha contando o jogo do Vasco, então Expresso da Vitória (“Sabará na ponta direita do templo…”), das garrafas, muitas garrafas.

A poesia já morava ali, à sombra das goiabeiras, laranjeiras, bananeiras, mangueiras, dos pés de abiu, sapoti, limões-bravos; a boemia só veio em seguida.

Vim do botequim,
Chamaram por mim
Na manhã…

A infância na Vila, que o poeta descreve como uma febre (“Vila Isabel é a febre de viver, que não passará enquanto eu respirar”) – pelo menos até os 13 ou 14 anos, quando voltou a morar no Estácio – desvenda o tesouro da caverna na obra do compositor. Tá quase tudo lá, vem quase tudo de lá, e nada se perdeu ou foi desperdiçado: o “asmático rondando pelo corredor”, as hemoptises, os palavrões, as brigas e confraternizações em família, o amor desgovernado pedindo cama na rua, os feudos, as frases de efeito, as farsas e o futebol, os funcionários de plantão e os desempregados por opção, dentes estragados, os butecos com as declarações mais sublimes ou os desabafos mais escrotos:

Piada suja, bofetão na cara,
E essa vontade de soltar um barro.

Pensa que Aldir Blanc viveu só de brisa, melodia e poesia? Nada disto. Teve estudo, tudo certinho. Primário na Escola Municipal Barão Homem de Mello, ginásio no tradicionalíssimo Colégio São José, curso superior na Faculdade de Medicina e Cirurgia, com estágio no Hospital Psiquiátrico Engenho de Dentro – como médico, claro. De poeta e de louco, ele tem muito mais do primeiro.

A porcelana e o alabastro na pele que eu vou beijar
O escuro arás do astro na boca que me afogar
Os veios que há no mármore nos seios de Conceição
E desafeto mais paixão e porque sim e porque não.

Tirem suas conclusões.

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