O debate, realizado no dia 13 de maio de 2015, reuniu um dos autores do livro “SMH 2016: Remoções no Rio de Janeiro Olímpico”, Lucas Faulhaber; Maria de Lourdes Lopes (Lurdinha) da Ocupação Manoel Congo e do Movimento Nacional de Luta pela Moradia; e Guilherme Boulos do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto.
O Le Monde Diplomatique Brasil publicou em sua edição de janeiro uma resenha do livro “A comunicação do oprimido e outros ensaios“, de Eduardo Granja Coutinho. A resenha foi escrita por Felipe Canova Gonçalves, estudante e integrante do coletivo nacional de cultura do MST.
Leia o texto abaixo.
A comunicação do oprimido e outros ensaios
Eduardo Granja Coutinho, professor da UFRJ, apresenta em seu livro um percurso própriono campo da comunicação. São onze ensaios que partem do pressuposto da comunicação enquanto cultura, e vice-versa, entendidas as duas como parte central do conflito entre sujeitos políticos que disputam a hegemonia na sociedade. Esforço raro – e, porque não, contra-hegemônico – em um campo do conhecimento caro ao pensamento pós-moderno, no qual o “culturalismo” e a fragmentação das “narrativas”, que negam o caráter histórico da vida social,parecem tomar conta das reflexões na academia.
Atento às mediações entre cultura, comunicação e os processos sociais, Coutinho articula de forma precisaseus textos sob quatro eixos temáticos: a comunicação popular, num sentido amplo que incorpora elementos como o samba, a linguagem suburbana, os protestos nas redes sociais e a mídia comunitária, todos relacionados à disputa política e ideológica com a cultura hegemônica; a questão cultural na obra de Carlos Nelson Coutinho e Muniz Sodré, ambos orientadores do autor em sua trajetória acadêmica; os processos hegemônicos e contra-hegemônicos na mídia brasileira e latino-americana; e a questão da reificação da cultura, relacionada à problemática da hegemonia.
O tratamento desse último tema expõe um dos méritos do livro. O autor dialoga permanentemente com as contribuições dos pensadores marxistas Gramsci e Lukács, resgatando a potencialidade original de suas contribuições. Ao mesmo tempo em que traz à luz a complementaridade entre os processos de reificação e hegemonia, como força ativa de manutenção da ordem vigente, Coutinho aposta na necessidade de se retomar o “espírito de cisão” gramsciano, passo fundamental para a contra-hegemonia e a conquista da personalidade histórica dos oprimidos.
O blogueiro Luis Eduardo fez uma resenha do livro A segunda Cinelândia carioca, de Talitha Ferraz. Luis Eduardo, que foi morador da Tijuca no final dos anos 1980 e início dos 90, diz a que a autora “conjuga com maestria as observações e citações teóricas que estruturam a pesquisa, com depoimentos, memórias e reminiscências de antigos moradores e frequentadores do local”.
Para ele, o livro “utiliza o cinema como mote para nos legar uma contribuição notável ao entendimento da construção de um espaço público ímpar na geografia urbana carioca”, a Praça Saens Peña.
Eis que chegamos à última edição da coleção Pra ler em pé. Este é o sétimo texto e com ele fechamos 4 meses de coleção.
Os downloads dos livros e os emails dos leitores nos deixaram muito felizes. A mórula só tem a celebrar o sucesso da coleção.
Para finalizar em grande estilo, uma crônica de José de Alencar, parte dos textos reunidos no livro Ao correr da pena. É só baixar e ler gratuitamente no tablet, no celular ou no computador.
O texto de Luiz Antônio Simas é de 2011, mas segue muito atual. Como demonstraram, ontem, dois figurantes corajosos na cerimônia de encerramento da Copa das Confederações, ainda é tempo de exigir a anulação da privatização do Maraca.
Santuário Profanado
A anunciada intenção do governo do Rio de Janeiro de privatizar o Maracanã é mais um capítulo da febre tecnocrática e desumanizadora que assola nossos governantes. Marca, lamentavelmente, a supremacia do mercado sobre a cultura — entendida como conjunto de símbolos, projeções, anseios e comportamentos que caracterizam um povo em sua cotidiana tarefa de reinventar a vida. É ela, a cultura, que nos humaniza.
Ferido por reformas que o descaracterizaram, atravessado, feito o padroeiro, por flechas suspeitas, o Maracanã é vítima da mania de modernizar o eterno, profanar o sagrado e tornar provisório, marcado pelas vicissitudes do tempo, o que já transcendeu a esse próprio tempo, o cronológico, e vive no território do mito.
Reformas e privatizações fazem parte, ainda, do contexto mais amplo de elitização do esporte, transformado em grande negócio. O futebol, que começou no Brasil restrito às elites, foi tomado pelo povo e virou a paixão da massa. Numa macabra volta ao passado, assiste-se agora a uma nova elitização do jogo. Distante do povo, o futebol retorna, sob o manto da gestão empresarial, ao berço aristocrático de onde saiu.
Existem lugares de esquecimento, territórios do efêmero — penso nos shoppings — e lugares de memória, territórios de permanência. Esses últimos são espaços que, sacralizados pelos homens em suas geografias de ritos, antecedem a sua própria criação e parecem estar aí desde a véspera da primeira manhã do mundo. Exemplifico.
No velho cais da Praça Quinze vivem, consagrados na memória das pedras, os marujos que, liderados por João Cândido, quebraram as chibatas da Marinha na revolta de 1910. Na materialidade da Pedra do Sal ressoam batuques de sambas e berram os bodes imolados aos deuses que chegaram da África nos porões dos negreiros, acompanhando seu povo. Ali assombra um silêncio que grita o horror do cativeiro em suas noites. Cada degrau da escadaria da ermida de Nossa Senhora da Penha, a mais carioca das santas, materializa os milagres e a dor de joelhos esfolados em sacrifícios de gratidão aos prodígios da Virgem.
O Maracanã era assim, como a Penha, a pedra e o cais. Nasceu estádio de futebol antes do rio que lhe nomeia; é carioca antes de Estácio de Sá; é de um tempo anterior ao tempo, como se erguido antes que a primeira flecha tupinambá cortasse o céu da Guanabara.
O Maracanã é o Santuário de Bom Jesus de Matosinhos, onde Jeremias e Daniel bailam no ar como Zizinho e Didi bailaram nas quatro linhas. É o terreiro do Opô Afonjá, onde Xangô dançou pelo corpo de Mãe Aninha como Ademir, feito raio, rasgou o campo em direção ao gol. É a primeira ponte do Capibaribe e todas as pontes de São Castilho. É a ciranda de Lia de Itamaracá e a areia da praia onde Lia cantou ciranda, pois ali, na grama verde, um anjo de pernas tortas cirandou um dia. Isso é cultura, não mensurável pelas regras do deus mercado.
O Maracanã é mais, muito mais, do que tudo isso. É o templo onde oraram e comungaram brasileiros comuns — feito eu, meu pai e meu avô. Sempre juntos, na alegria e na tristeza, na vitória e na derrota, porque aqueles a quem os deuses da bola uniram no cimento das arquibancadas dinheiro nenhum deveria separar.
Autor do livro “Minha alma anagrama de lama”, Andre Dahmer conversou com a apresentadora Daniella Zupo sobre a obra durante o programa Viamundo, da Rádio Inconfidência, de Belo Horizonte.
O livro “Minha alma anagrama de lama” conta com poesias, pensamentos e ilustrações de Andre Dahmer. A obra é uma reprodução do caderno de anotações do artista que foi todo escrito a mão e digitalizado e pode ser adquirido pelo site da editora.
Cartunista lança hoje seu segundo livro de poesias, “Minha alma anagrama de lama” dedicado ao amigo Ericson Pires, poeta e personagem da noite carioca morto em 2012, e à filha Nina, que o levou para uma vida mais solar
A editora Arte & Letra, de Curitiba, lançou este mês uma coleção de livros feitos artesanalmente. Eles são impressos em tipografia e encadernados manualmente.
A coleção inclui Um Coração Singelo, de Gustave Flaubert, Assassinatos na Rue Morgue, de Edgar Allan Poe, e Luzes, conto de Anton Tchekhov. Os livros podem ser comprados na livraria da editora em Curitiba ou pelo site.
Quem se interessa pelo processo de feitura do livro ou tem curiosidade de conhecê-lo vai se deliciar com o projeto. O vídeo abaixo mostra os detalhes da impressão que é feita por um tipógrafo, que monta página por página do livro com linotipos e com ilustrações em xilogravura. O processo é concluído pelo encadernador Daniel Barbosa que monta e costura livro por livro. Ao final, o leitor tem acesso a uma tiragem limitada, em que cada obra é única e artesanal.
Chiquinha, Fabiane Langona ou a @Elefoa, acreditem, é a mesma pessoa. São seres que “coabitam”, como explica a “dona” desse múltiplo perfil. Cartunista, ilustradora e quadrinista, Chiquinha (vamos optar apenas por uma denominação) publica seus cartuns semanalmente na Ilustrada, da Folha de S. Paulo, e no portal UOL Notícias. Atualmente mora no Rio de Janeiro, saindo de Porto Alegre pra “pagar um aluguel caro” pelas bandas cariocas. Agora em dezembro lança seu segundo livro, “Algumas Mulheres do Mundo”, pela Mórula Editorial, que reúne cartuns e quadrinhos publicados nos últimos anos, a maioria deles no Canal Viver Bem do UOL Mulher e também em sua página, a Chiqsland. Na sequência, nosso ser complexo da vez – Chiquinha ou Fabiane? – responde a nossas perguntas triviais:
1_Por que Fabiane Langona virou Chiquinha? Bom, a Fabiane na verdade nunca virou Chiquinha. As duas formas nominais coabitam meu ser sem grandes problemáticas. Apesar de que penso em abandonar a Chiquinha. Talvez assinar Fabiane + Sobrenome como a maioria dos autores. Afinal, Chiquinha abandonou Fabiane certa vez. Nada mais justo (papo levemente esquizofrênico, haha).
Mixórdias à parte, a verdade é que amava muito cartunistas gênios que assinavam com um nome só: Jaguar, Fortuna, Sempé. Casando-se a isso, na minha ganguezinha juvenil todos tinham apelidos esquisitos. Peguei o meu e usei de forma que camuflasse socialmente minha produção “desenhal”. Além de que não considerava sonoro cartunísticamente F-A-B-I-A-N-E, além de que todos meus sobrenomes soam sisudos e masculinozões demais.
2_Uma pergunta que todos fazem pra cartunistas. Seus cartuns são autobiográficos?
Em parte. É o meu olhar sobre as coisas. Portanto, tem quase tudo de mim. Não declaradamente, mas em essência.
UM LIVRO
“Pensamentos negros ferviam-me na alma: ‘todas as pessoas são estranhas umas às outras, apesar das palavras e sorrisos carinhosos, e sobre a terra em geral, todos são estranhos; parece que ninguém está ligado a ela pelo sentimento robusto do amor (…)’. Às vezes estes pensamentos e outros semelhantes condensavam-se numa nuvem escura. Viver tornava-se penoso, abafado, mas como viver de outra maneira, pra onde ir?
Eu não gostava, tinha asco até, de desgraças, doenças, queixas; quando via algo cruel, como sangue, pancadas, mesmo uma zombaria oral contra uma pessoa, isto me suscitava uma repugnância orgânica; ela transformava-se rapidamente em certo furor frio, e eu lutava como uma fera, depois do que ficava envergonhado até a dor.
Duas pessoas viviam dentro de mim: uma delas, tendo conhecido demasiada imundície e ignomínia, assustara-se um tanto com isto, e acabrunhada com o conhecimento das coisas terríveis de cada dia, passava a tratar com desconfiança, com suspeita, a vida, os homens, com uma piedade impotente em relação a tudo, inclusive a si mesmo.“
Ganhando meu pão Máximo Gorki Clube do Livro
1949
3_Por que “Algumas mulheres do mundo” é o título do seu novo livro?
O titulo é uma espécie de homenagem ao filme “Todas as Mulheres do Mundo”, dirigido pelo Domingos Oliveira em 1967. Aquela abertura com o Flavio Migliaccio falando que “amor não dá pé” sempre me pegou muito. Assim como a imagem da Leila Diniz, que pra mim é um grande exemplo de transgressão sem discurso. Transgressão na atitude (entendi bem quando li uma entrevista dela n’O Pasquim). Adoro o filme e o que ele representa em se tratando da quebra de tabus românticos e sociais num período tão icônico. Da dúvida entre ser independente ou não. De ser romântico ou não. As memórias do filme ficaram mais fortes ainda agora que estou morando no Rio. “Todas as Mulheres do Mundo” me devolve a sensação de falta, a falta de um Rio de Janeiro não vivido por mim e que ainda tento romantizar. De uma época em que se reivindicava o direito ao prazer numa cidade bem mais idílica. O filme em si não promove uma ruptura clara com certos cânones de gênero extremamente arraigados, mas gosto muito do que ele insinua nesse sentido.
Troquei o “todas”, por “algumas” pra redefinir o significado, tornar mais abrangente sem generalizar.
4_ O que uma gaúcha está fazendo no Rio de Janeiro?
Pegando um bronzeado. Pagando um aluguel caro. E comendo arroish de brocolish, obviamente <3
5_Como é ser uma das poucas mulheres nesse bando de homens cartunistas?
Acabei de ver um video onde o Neil deGrasse Tyson estava dando uma palestra e perguntam a ele por que têm poucas mulheres na ciência. Ele responde que nunca foi mulher, mas que é negro. E que a sociedade o encorajava a ser um jogador de basquete, mas nunca um cientista. Acho que o mesmo raciocínio cabe aqui. Naturalmente numa sociedade dominada e regida por homens brancos o espaço e a liberdade dados às mulheres sempre foi menor e mal distribuído. Nunca ouvi uma mulher ser encorajada a fazer quadrinhos de humor. Cartunista é do mal, ferino, ataca, cutuca feridas. Não parece uma profissão adequada a seres tão delicados e polidos.
Acho que é pela extinção desse enraizamento cultural, onde cada um é desviado ao que vos cabe teoricamente que precisamos ir contra. Acredito estar aí o cerne de qualquer mérito que queiram me atribuir: apenas segui adiante com o que queria fazer. No faço questão de me encaixar em expectativas sociais ou papéis que enquadrem as mulheres em deveres. Seja no sentido padrão de realização doméstico-afetivo, seja no sentido obrigatório de se produzir arte discursivamente engajada, retilínea. Sempre procurei algum tipo de espelho em se tratando de humor, no que de mais grotesco e ridículo eu conseguiria enxergar e transpor. Usar a minha vivência como mulher pra justamente trespassar a clássica e vilipendiosa representação humorística que fizeram de nós desde os primórdios. Focar em questões reais: reais na minha experiência de mulher comum. No mais, nunca me senti hostilizada pelos colegas homens. Quando comecei havia um estranhamento muito grande, isso sim. Mas agora o foco também está na produção das mulheres. Felizmente muita coisa mudou em pouco tempo. O mercado de quadrinhos é difícil para todos.
Lançando a tradução de seu livro no Brasil, o argentino Agustín Arosteguy, além de escritor, é produtor cultural e mestre em Gestão de projetos de ócio. Isso mesmo, de ócio! O que sempre gera brincadeiras sobre esse “trabalho”. Depois de mais de dois anos na Europa resolveu – ou resolveram pra ele – vir para o Brasil, onde se casou com a carioca que conheceu na Espanha. Mas mesmo há pouco tempo no Brasil, não estranhem se o ouvirem dizer “caraca mané” ou “show de bola”. Parece que ele já está ambientado em nosso país, atualmente morando em Belo Horizonte. Seu livro Carne de Canhão, que será lançado dia 30 de julho, retrata a vida do jovem Miguel, nascido na pequena cidade de Balcarce e alçado à fama na capital Buenos Aires.
Com vocês, Agustín Arosteguy, o ser complexo #19:
1_Como veio parar no Brasil?
Eu estava morando na Europa, e foi aí que conheci a uma mulher que mudou minha vida – e que coincidentemente é brasileira. Paralelamente, depois de morar na Espanha por dois anos e meio, tinha a vontade de voltar para a América Latina, mas não queria voltar para Argentina. O Brasil sempre foi um país que me chamou a atenção por sua diversidade cultural e a linha de pesquisa que eu queria desenvolver, casava muito bem. Nesse momento sentia que para avançar nos meus estudos era importante vivenciar a América Latina.
2_No seu livro “Carne de canhão” você brinca muito com anacronismos. De onde vem essa ideia?
Para mim os ditos populares possuem uma magia, uma beleza singular, maior ainda que a poesia. Ou talvez seja uma forma de poesia falada, como acontece com a literatura de cordel. Eu nasci numa cidade pequena, onde os ditos populares fazem parte da vida cotidiana e cada família ou grupo social tem seus próprios ditos que os caracterizam e pelos quais você até pode identificá-los. Então, meu avô usava muito os ditos, falava sempre usando um ou vários. E o curioso é que você tem de todo tipo: engraçados, para sacanear, para debochar, para implicar etc. E esta é minha percepção, os ditos populares têm muito de anacronismos, possuem uma relação muito próxima com o anacrônico, com o passado, com a tradição e o folclórico de cada povo e de cada país. E foi daí, das lembranças e o carinho que sempre tive por meu avô, que eu quis fazer uma espécie de homenagem.
UM LIVRO
“Usted que ha caminado lo sabe. Casas, más casas, rostros distintos y corazones iguales. La humanidad ha perdido sus fiestas y sus alegrías. ¡Tan infelices son los hombres que hasta a Dios lo han perdido! Y un motor de 300 caballos sólo consigue distraerlos cuando lo pilotea un loco que se puede hacer pedazos en una cuneta. El hombre es una bestia triste a quien sólo los prodigios conseguirán emocionar. O las carnicerías. Pues bien, nosotros con nuestra sociedad le daremos prodigios, pestes de cólera asiático, mitos, descubrimientos de yacimientos de oro o minas de diamantes.”
Los siete locos Editorial Latina 1929
3_Sabemos que você se casou no Samba do Trabalhador, no Clube Renascença, aqui no Rio de Janeiro. Que carioquices você pretende levar ao longo da vida?
Uff, essa é uma pergunta difícil, hein! Que carioquices eu pretendo levar… Tendo conhecido a saideira morando no Rio, podemos considerar isso uma carioquice? Posso citar também o hábito de beber cerveja como uma carioquice adquirida que vou levar pra minha vida. Antes de morar no Rio minha primeira opção era sempre o vinho. Além disso, as expressões como: “caraca Mané”, “show de bola”, “posso matar?”, são carioquices totalmente incorporadas a meu vocabulário. Por último, a malemolência do samba é uma carioquice que adoraria adquirir pra minha vida.
4_Você é mestre em Gestão de projetos do ócio. Como assim, ócio?
Parece brincadeira, né? A palavra ócio não tem exatamente o mesmo significado em espanhol e português. Muitas vezes em português a palavra ócio é utilizada com conotação de ausência de ocupação, falta de trabalho ou ociosidade. Talvez por isso, as zuações quando conto que estudo ócio. No entanto, meu foco de estudo se traduz melhor ao português como lazer, entendido como experiência ou vivência que permite ao ser humano se conectar com ele mesmo e se autoconhecer e reconhecer como ser único.
5_Como é ser um argentino morando no Brasil, com sua seleção na final da Copa do Mundo aqui – e tendo seu time derrotado na final?
Morando aqui percebi que o brasileiro gosta muito de fazer brincadeiras em torno do futebol. Eu não me considero uma pessoa que goste de futebol, nunca me interessei por este esporte, nem para assistir e nem para jogar. No entanto, a Copa no Brasil me trouxe varias reflexões em função das manifestações e remoções, mas apesar de tudo isso eu me vi assistindo a partir das quartas de final como se fosse um torcedor fanático. O esporte tem a capacidade de aflorar o sentimento patriótico e teria sido maravilhoso se a Argentina tivesse ganhado. Ainda não foi dessa vez, e mesmo não entendendo muito de futebol, achei que a minha seleção mandou muito bem.
Idealizadora da primeira loja de quadrinhos na região Sul do país, a Itiban Comic Shop, Mitie Taketani é o ser complexo da vez no blog da mórula. A loja em Curitiba completa 25 anos em 2014 e é um espaço que busca trazer os quadrinistas para perto do público, com diversos eventos de lançamentos e de debates com autores. Como Mitie explica, a ideia da Itiban era unir trabalho com prazer, o que parece ter tido sucesso. Com vocês, Mitie, respondendo às nossas perguntas triviais.
1_A Itiban comemora 25 anos em 2014. Como surgiu a ideia da livraria? E por que em Curitiba, já que você é de São Paulo? Eu conheci o Xico, meu marido e sócio, em São Paulo. Descobrimos que tínhamos dois amores em comum: a música e os quadrinhos. Ele, por ter morado na spanha,Argentina e Uruguai, já trazia muita informação desses grandes mercados. Eu lia o que chegava nas livrarias. Não tinha paciência para formatinhos…
Primeiro viemos para Curitiba e depois veio a ideia de abrir a Itiban. Resolvemos vir pra cá porque fazia muito tempo que o Xico estava longe da sua família e a cidade, bem menor que São Paulo, poderia ser uma boa opção para começarmos uma vida a dois. Chegamos aqui e ficamos um tempo nos virando, ele tocando em algumas bandas e eu me virando trabalhando em lojas, escritórios…
Pensamos em abrir a loja para ter uma vida mais segura e ao mesmo tempo trabalhar com algo que nos desse prazer.
2_O nome Itiban tem algum significado? Todo mundo que já fez judô aprende a cair e a contar em japonês: iti, ni, san, shi… Bem, Itiban quer dizer “primeiro”. Sim, foi a primeira comic shop do Sul do país. Também aprendemos a levar alguns tombos…
3_Um momento inesquecível na Itiban… Isso é super difícil. Nesses 25 anos conhecemos tanta gente legal! Acho sempre especial os eventos que fazemos na loja. Poder trazer os quadrinistas, ouvi-los e aproximá-los dos seus leitores, isso realmente é muito especial. Lembro a primeira vez que o Lourenço Mutarelli veio pra cá. Fui buscá-lo na rodoviária e ele não descia do ônibus… fiquei preocupada e quando fui subir no ônibus ele desceu. Muito silencioso ele me entregou um pequeno gibi. Era o Réquiem (Minitonto). Deixei ele no hotel e fui pra casa. Chegando em casa já comecei a ler meu pequeno presente. Sofri com a leitura, chorei (Meu pai sempre me ensinou a me colocar no lugar do outro). Quando fui buscá-lo no hotel para irmos para o evento na loja eu bati nele (tenho/tinha a mania de bater nos outros…era um tapinha com a mão esquerda). Falei que tinha lido e que ele fez meu dia começar com tristeza… Ele riu e ficamos amigos.
4_Qual é o melhor som pra ouvir lendo um bom quadrinho? Ou uma coisa não se deve misturar com a outra? Gosto do silêncio para ler. Ler é tão solitário, então cada um que seja responsável pela sua própria solidão e escolha como preencher, ou não, esse momento.
5_Assim como Allan Sieber, também queremos saber: quando vocês vão abrir uma filial no Rio de Janeiro? Hahaha. Amaria ter uma “Niban” perto da praia. Se o Allan Sieber quiser ser meu sócio… e ficar na Niban e eu na praia pegando onda…
UM LIVRO
Nos quadrinhos, algumas vezes, a imagem expressa muito mais que milhões de palavras. Nestas duas páginas posso ver um Diomedes gordo, imenso, cair. Mas antes da queda, a dança, muito bem coreografada (pág. 298-299).
Diomedes Lourenço Mutarelli Cia. das Letras, 2012.
Se você gosta de samba, é muito provável que já tenha acompanhado uma roda com a presença dele. E não importa se você é do Rio ou não. Uma das rodas onde o sambista Gabriel Cavalcante marca presença semanalmente, o Samba do Trabalhador, já entrou para o roteiro obrigatório da cidade e já leva milhares de turistas à Zona Norte.
Gabriel é sambista, flamenguista e tijucano. O bairro onde nasceu, cresceu e vive até hoje, ele carrega no nome: Gabriel da Muda, como é mais conhecido. O samba é fundamento e paixão, características fáceis de notar nas rodas onde toca. Atualmente, além do Samba do Trabalhador, ele faz parte do Samba do Ouvidor, movimento que leva milhares de pessoas ao centro do Rio de Janeiro para uma roda na rua e gratuita. Do Flamengo, preferimos não comentar.
O papo que tivemos com Gabriel não podia fugir desses temas. Da Tijuca ao samba, procuramos saber um pouco mais da tradição e fundamento que pautam o trabalho deste carioca talentoso. E como não podia deixar de ser, aproveitamos para pegar umas dicas sobre bares imperdíveis na cidade. O músico deu boas indicações e ainda alfinetou os conservadores: sambista não tem que morrer descalço no balcão tomando cachaça 51. Pode muito bem curtir um risoto acompanhado de um drink de vez em quando.
Abre uma cerveja, solta uma música e confere aí nosso ser complexo da vez:
_Já vimos mais de uma entrevista sua na qual você fala com orgulho que “canta sambas que o público não conhece”. Quem vai ao Samba do Ouvidor sabe bem disso. Como você escolhe seu repertório?
Costumo seguir minha intuição. Sou um cara observador. Procuro tentar sentir o que seria bom para as pessoas ao redor das rodas em que canto ouvirem. Às vezes dá certo, e quando não dá, tenho que pensar numa próxima que dê. Gosto muito desse desafio. O orgulho que tenho é justamente de poder apresentar algo a quem não teve a oportunidade de conhecer como eu tive, mas sem a pretensão de ser o descobridor dos tesouros perdidos. Gosto de cantar samba bom e ponto. Independente de ser conhecido ou não, tem que ser bom.
_Você hoje integra dois sambas muito populares no Rio, o Ouvidor e o Trabalhador. Um é gratuito e na rua e o outro na Zona Norte com um preço muito acessível – bem diferente do que vem acontecendo com o resto da cidade. Por que esses espaços são importantes? Qual o significado de uma roda de samba para você?
O samba é uma das manifestações populares mais fortes e que mais resistem em nosso país. Passa ano, entra ano, lá está o samba: na novela, num canto de torcida, num botequim ou seja lá onde for. Não fossem os movimentos populares, me refiro às rodas, o samba provavelmente não teria resistido, pois se o tiramos de onde ele vem, do povo, ele morre.
Não sei se o Samba do Trabalhador ou o Samba da Ouvidor terão, futuramente, um lugar nas páginas dessa linda história, espero que sim, mas acho que estamos fazendo a nossa parte. Cantar na rua é o que me faz chegar perto do que considero plenitude.
_Pela sua trajetória dá para perceber que você se dedicou pouco (ou nada) ao que você chama de samba “entretenimento”. Qual a concepção que te guia na sua carreira de sambista?
O samba, de uns tempos pra cá, salvo raríssimas exceções, virou uma ferramenta de entretenimento. Sinceramente, não acho isso errado. Entreter faz parte da história. O que incomoda é a falta de compromisso com o que se faz. Quando se faz com amor e com o coração, quando se tem verdade e quando é feito com respeito, não me importo se a uma das finalidades for entreter também. O problema é entreter por entreter.
É óbvio que todos precisam sobreviver, mas ando um pouco cansado do que virou o samba para a noite carioca. Entretenimento e nada mais, com exceções sempre, claro. Sinto falta de comprometimento dos músicos, que muitas vezes prezam pela quantidade de lugares para tocar e esquecem da qualidade. Apresentar algo sem fundamento ao público é prejudicial.
As pessoas confundem radicalismo com sectarismo. Não é por aí. Meu radicalismo é seguir firme no que acredito, sem me preocupar se estou agradando ou não, se a música é inédita ou não, como já disse antes, tem que ser boa, e talvez esse seja o grande motivo do sucesso nas rodas que tenho a honra de participar.
O que me guia nisso tudo é a vontade de cantar samba, é o desejo incontrolável de oferecer horas de alegria e reflexão a quem me ouve. A música tem esse poder. Por tocar em dois grandes movimentos na cidade, me emociono quando vejo que alguém dedica uma hora do seu dia para me ver. Esse é, sem sombra de dúvidas, o maior presente que a música me dá. _Quem te acompanha nas redes sociais sabe do seu gosto por comida e cerveja. Você poderia listar 3 lugares indispensáveis no Rio de Janeiro, onde certamente a gente te encontrará para uma cerveja?
Até a paixão pelo mundo gastronômico o samba me proporcionou. Lembro-me saindo de casa, há uns dez anos atrás, para comer pé de porco e pescoço de galinha com o Moa, pelos botequins mais imundos do Rio de Janeiro. Graças ao samba, tive a oportunidade de conhecer meu país, cantando em diversos lugares diferentes, com culturas diferentes e culinárias incríveis.
Difícil citar apenas três lugares, diante de tantos que vou, mas fico com o Bar do Momo, aquele que considero o do coração. E não é por ser em frente à minha casa. O Bar do Momo, de todos os pé sujos tradicionais que rodei, é o melhor. O outro é o Bar da Gema, que considero de cabeceira também. A 500 metros de casa, posso comer o melhor pernil e a melhor coxinha do Rio. Precisa mais? Por fim o Cachambeer, pérola do subúrbio carioca, costela que desmancha, chope imbatível e Marcelo Novaes, um gênio da boemia carioca.
UM DISCO
“Cego é aquele que vê somente o que enxergam seus olhos, passa por isso a viver.
Com vendas, bitolas, antúrios.
Cego é quem olha pro mundo e o mundo se põe como centro, sem enxergar um segundo o mundo do mundo de dentro.
Cego só vê a medida do que alcança a visão, não olha nunca pra vida com olho do coração.
Cego que só pede a vista, não fica nunca capaz, pois o que faz vir artista, passa enxergar muito mais…”
Mundo de Dentro Dori Caymmi Music State, 2010
Tirando os três, gosto de ressaltar que não sou desses que acha que sambista tem que morrer bebendo 51 na tendinha, de pé descalço, sem dente e cantando partido alto. Tem gente que acha que só é sambista quem segue a risca essa rotina, acredita?
Eu, por exemplo, gosto de beber um drink no Paris, anexo da imponente Casa Julieta de Serpa. Amo beber um chope, excelente por sinal, na varanda do Astor, vendo o sol se juntar ao Dois Irmãos. Sorvete é na Momo Gelateria, na Dias Ferreira, e não é por ser homônimo do meu bar do coração, é que realmente os sorvetes são incríveis. E por que não um pato ou um risoto no Bazzar, em Ipanema? Ou um chope no Adônis, em Benfica? Ou uma codorna no Feio, no fim da Dias da Cruz? Ou uma cerveja trincando no Bode Cheiroso?
_ A Tijuca basta?
A Tijuca é o melhor lugar para se viver. Foi aqui que aprendi o que é samba, foi aqui que bebi minha primeira cerveja, aqui estão os meus lugares favoritos da vida. A Tijuca é um bairro com alma, onde todos se conhecem, onde há solidariedade.
Por fim: o malandro que sai de casa domingo às 8 da manhã dizendo para a mulher e para as crianças que vai comprar o jornal. Direto ao bar, encontra os velhos amigos de balcão. Uma da tarde, almoço na mesa, crianças com fome e a mulher irada. Às duas, chega o sujeito, embriagado e sem o jornal. Ouve meia dúzia de desaforos da mulher, almoça, deita e pede para ser acordado na hora do jogo. Acorda duas horas depois do jogo, bebe uma água e: até segunda!
Formado pela Escola de Fotógrafos Populares em 2009, Léo Lima hoje cursa pedagogia na UFRJ e realiza trabalhos autorais de fotografia, como “Os caçadores de pipas do Jacarezinho” e “Remoções no Rio de Janeiro”. Também ministra aulas de fotografia pinhole e fotografia digital, e acredita que a “prática educacional é tão importante quando o registro imagético de uma determinada situação”. A sua passagem pela Escola de Fotógrafos, ele aponta, foi decisiva para sua trajetória, porque conheceu pessoas “que de alguma forma me apresentaram uma possibilidade de fazer política sem precisar estar engravatado vivendo o gostoso ar gelado do ar condicionado”. Léo é também um dos idealizadores do projeto Favela em Foco, um coletivo multimídia que aborda questões relacionadas aos espaços populares. algumas das suas imagens podem ser vistas no seu Flickr.
Com vocês, Léo Lima, o ser complexo #16
_Passar a fotografar mudou sua percepção sobre a realidade?
Foi uma experiência necessária e importante para o meu caminhar. Que poderia ter sido numa escola pública, diga-se de passagem, mas não foi, e o mundo não é o ideal para o que eu penso, e vale salientar que a união de João Roberto Ripper, Imagens do Povo e Observatório de Favelas foi/é importante existir. Em 2009, ainda sem saber onde escoar minhas angústias da sociedade, foi na Escola de Fotógrafos que conheci pessoas incríveis que de alguma forma me levaram a outras pessoas incríveis e instituições sérias e não tão sérias assim. O ato de fotografar não me trouxe outra percepção, mas me mostrou um atalho para escoar meus anseios e desejos que tinha/tenho enquanto sociedade e favela. Acredito ter sido mais um fator das pessoas que de alguma forma me apresentaram uma possibilidade de fazer política sem precisar estar engravatado vivendo o gostoso ar gelado do ar condicionado. Foi fundamental conhecer João Roberto Ripper falando de fotografia e vida.
_ De quando você começou a fotografar até hoje, você vê o Jacarezinho de outra forma?
Não atribuo a uma mudança física, intelectual ou cultural. Mas acredito que meu horizonte se ampliou após esse fazer fotográfico com respeito ao lugar e ao outro. Antes mesmo de fotografar por aqui já conseguia olhar para essa favela tão linda, de maneira carinhosa. Com o fazer fotográfico consigo sem dúvida dar um grito sem abrir a boca, e desse grito ecoa um “Jacarezinho resiste!” bem alto. Porém é pouco e eu quero mais, portanto, penso que o próximo passo é a partir da educação, inserir a fotografia cada vez mais no cotidiano das pessoas, de modo que tragam elas não só para o cenário de espectador, mais principalmente no cenário de autor de suas próprias narrativas. Vem coisa boa aí, utópico e necessariamente realizável.
_Você é um dos idealizadores do projeto Favela em Foco, que tem a proposta de dar visibilidade às favelas e periferias com um olhar do morador. É possível dizer que a favela está fora de foco pelas mídias tradicionais?
Acredito que sim, existe muitas outras verdades estabelecidas e a serem descobertas nos espaços favelizados. Chega a ser injusto com os moradores das favelas a super marginalização que os veículos de comunicação corporativos, Rede Globo, Band, Record, SBT costumam fazer. Havia um boato de que com a entrada das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) nas favelas, o foco mudaria. Porém, o que se vê é praticamente a mesma coisa. As notícias que circulam nesses meios, tratam da violência policial, dos assassinatos – ressalto, importantes também de serem retratados – ou quando algo considerado positivo pelo senso comum da sociedade, o tratamento é pelo viés do pitoresco, do exótico, estereotipado. É um jornalismo muito abaixo do que os jornalistas querem ou podem fazer. A favela conta boa parte da história do Rio de Janeiro, com sua cultura, política, arte. Outros presentes vão chegar, estamos lutando por ele.
UM LIVRO
“O termo latino communicare alude a um ‘pôr em comum’, que pode gerar relação. Mas sabemos que, entre as escolas e as famílias, nem sempre é fácil comunicar, estabelecer laços. Contudo, algumas situações vividas no dia-a-dia de uma escola reinventada provaram ser possível comunicar.”
Pequeno Dicionário das Utopias da Educação José Pacheco Wak, 2009
_Você sempre se envolveu com projetos de educação com viés para a fotografia. Qual a importância da educação no processo de formação dos jovens?
Educação é a parte do gráfico da pizza que muitos de nós não damos tanta importância, né? Eu gosto de falar sobre educação e acredito que a educação propriamente dita é feita por todas as pessoas, em todos os lugares. Independente de grau de escolaridade, todos educam. Nesse contexto, não podemos conceber a ideia de cidadania sem educação – e não falo de processos de escolarização como fomos acostumados a receber ao longo de nossas vidas. Portanto, vislumbro uma possibilidade cidadã em todos os aspectos da sociedade, logo, a importância está posta à mesa. A sociedade que penso em viver sem dúvida se configura como um lugar de pessoas exercendo o pleno direito à cidadania. Pra isso, a educação se torna indispensável em todos os níveis, logo, exercendo aspectos libertários, autônomos, de criticidade, de reflexão, de sensibilidade, de prática, de pesquisa, de solidariedade e principalmente amor. Não se faz educação sem amor. A arte está aí, porém tem muita gente “esperta” por aí que não quer sentir.
_O que os botafoguenses podem esperar do time em 2014, depois de 18 anos de volta à Libertadores?
Sem dúvida todos os botafoguenses desse mundão vão comemorar o inédito título da libertadores no Maracanã. Não tenho dúvidas, nunca tive. E se alguma coisa der errado, seja pela mudança dos astros, pelo balançar das marés, ou por alguma bandeirinha … Não nos preocuparemos. Pois a certeza que todos nós botafoguenses temos é de que nossa estrela jamais deixará de brilhar!
Autor do blog Overdose homeopática, Marco Oliveira lançou seu primeiro livro em 2013, homônimo ao blog, com uma coletânea de tiras publicadas em sua página, mas também com algumas inéditas. Apesar de tímido – pelo menos é o que ele diz –, suas tiras não são nada encabuladas. Mas explica: “O humor quase sempre vem da tragédia, da desgraça de alguém, da ofensa. (…) Vejo o humor negro, de escárnio, sujo e ácido, como o mais bonito de todos, mas só quando é natural”.
Como todo autor de quadrinhos que se preza, se diz preparado para passar fome fazendo quadrinhos no Brasil: “tanto que minha fome só tem aumentado, junto com minhas contas e credores. Fazer quadrinhos por aqui é justamente isso. Ou faz por amor ou não faz. Pela grana que não será”.
_Quais suas influências nos quadrinhos? Deixando de lado aqueles de citação obrigatória (Laerte, Angeli e afins), sou influenciado o tempo todo por muita gente. Mesmo que eu não queira, sofro influência quando vejo algum trabalho que me agrada. Eu as incorporo sem nem perceber que fiz isso, percebo quando alguém comenta “o traço me lembra fulano; o humor remete a beltrano” e vejo que é mesmo verdade. E creio que com todo mundo é assim. Não somos plenamente conscientes para escolher o que vamos ou não acrescentar à nossa bagagem artística.
Mas falando do que me atrai e inevitavelmente me influencia: Fernando Gonsales, Adão, Zimbres, Dahmer, Galvão Bertazzi, O quarteto Xula: Coimbra, Maron, Calote e di Chico, Andrício de Souza, Rafael Sica, Salimena, Lafa, e mais uma pancada de nego foda.
_O que acha da discussão do politicamente correto no humor? Acho que é uma discussão que não vai levar a lugar algum. Sempre vai ter alguém pra chorar em cima de alguma piada, mesmo que se comece a pegar mais leve. O humor quase sempre vem da tragédia, da desgraça de alguém, da ofensa. Nos meus quadrinhos não me preocupo com isso, só procuro ser honesto e passar para o leitor o que quero e tenho a dizer. Esse é meu termômetro. Não acho nada honesto usar aquilo que a sociedade em geral chama de politicamente incorreto como ferramenta para chamar atenção. Pra mim isso é apelação. Até porque, eu, como pessoa física e tímida, não gosto de chamar a atenção, ainda mais dessa maneira. Vejo o humor negro, de escárnio, sujo e ácido, como o mais bonito de todos, mas só quando é natural. Não adianta forçar a barra e apelar com palavrões e ofensas gratuitas. Se alguém faz uma piada sem graça eu não rio e se não gosto do artista simplesmente não acompanho seu trabalho. Enfim, o chororô é tão chato quanto as piadas forçadas. Que a liberdade seja a prioridade. Que sejamos livres para ofender ou tapar os ouvidos.
_No prefácio de seu livro Overdose Homeopática, Andre Dahmer diz que você tem todas as condições para morrer de fome fazendo quadrinhos no Brasil. Como é receber esse “elogio”? Pra mim o Andre é o quadrinista/tirista mais competente do mercado brasileiro. É o cara que, mesmo tendo que criar num ritmo alucinante (duas tiras diárias, pelo que sei), não erra, não dá nem uma forçadinha na amizade. Toda nova publicação tem a costumaz (primeira vez que uso esta palavra) genialidade. É a mesma regularidade que vejo no Fernando Gonsales e no Galvão Bertazzi.
Receber esse elogio me fez mesmo acreditar que estou pronto pra passar fome fazendo quadrinhos no Brasil, tanto que minha fome só tem aumentado, junto com minhas contas e credores. Fazer quadrinhos por aqui é justamente isso. Ou faz por amor ou não faz. Pela grana que não será.
UM LIVRO
“Uma das maiores ‘Causa mortis’ de tímidos do mundo inteiro, a inanição, na verdade, é uma consequência da cerimônia alimentar, aquela inexplicável vergonha de aceitar a comida alheia. Na concepção do tímido, comer é um ato criminoso e vulgar.
– Aceita um macarrão?
– Não.
– Tem certeza de que não quer sorvete?
– Não.
– Menina, jura que você não está com fome?
– Não, não, não, não não… até desmaiar de fome.
Esse mesmo princípio pode ser aplicado à vergonha de pedir cobertor extra quando um tímido dorme na casa de um amigo. Acorda com os ossos doendo de tão gelados e ainda tem que fingir para a mãe do amigo que teve ‘uma noite muito agradável’.”
Manual de Sobrevivência dos Tímidos
Bruno Maron
Lote 42, 2013
_Você vai lançar um segundo livro em 2014 (Aos cuidados de Rafaela). O primeiro não foi o suficiente para perceber que nesse ritmo pode mesmo morrer de fome? A gente acaba acostumando com as porradas e até gosta, tipo mulher de malandro, que gosta de apanhar e não cai fora. Esse segundo livro é bem diferente do primeiro, é uma graphic novel (soa importante isso: graphic novel), história longa com roteiro do Marcelo Saravá, grande artista e amigo. Um grande desafio para mim, que sempre trabalhei com ideias e histórias curtas. Tem sido bem difícil, mas muito bom. Sinto como se fosse um cabaço sendo estourado: tá difícil, mas continua que tá bom. O projeto foi contemplado no Proac, e ainda não sabemos se ele sairá por alguma editora ou como independente. Deve ficar pronto dentro de uns dois meses e vai ficar muito bom, pois temos tomado todo o cuidado do mundo pra não sair merda, tanto no roteiro quanto na parte gráfica. Além do segundo, já tenho o embrião de um terceiro (não falei que gosto de me dar mal?), e se trata do Mute, projeto que venho trabalhando há um bom tempo e, embora não tenha data, pretendo publicá-lo ainda este ano. Talvez eu tente um crowdfunding. Talvez não. Vamos ver o que se desenrola nos próximos meses.
_Você fala que não sabe como “aqueles caras” publicavam diariamente tiras no jornal. Então revele o segredo, como faz pra criar as suas? O segredo é criar sua própria maneira e não seguir o caminho de ninguém. A criação é feita por um mecanismo da mente, uma faculdade que está desativada na maioria das pessoas, mas está lá. Todo mundo pode criar. Antes de dar o start, de começar a criar os quadrinhos, minha mente não estava alerta para criações, não estava programada para perceber as possibilidades, e isso mudou quando eu simplesmente comecei, passei a perceber as possibilidades nas situações cotidianas, como se eu passasse a ter uma antena própria para a captação das ideias que estão no ar, as ideias que qualquer um pode ter. Basicamente é isso, estando aberto às criações, uma ideia pode nascer de um comercial de tv, de um documentário, de uma situação qualquer, de um pornô com anões etc.. Não existe uma fórmula, nem segredo, e mesmo que houvesse um eu jamais divulgaria, já basta dividir com poucos a fome de agora.
Em mais uma semana de ruas lotadas nos atos em apoio aos professores do município e do estado do Rio de Janeiro, nossas perguntas triviais não podiam ser diferentes. O ser complexo da semana é Caroline Bordalo, professora da rede estadual. Ela está em greve, como tantos de seus colegas, e nessa entrevista explica as razões que a têm levado semanalmente para a rua.
Pedimos a Caroline, como de costume, a indicação de um livro. Ela optou por enviar dois filmes e uma frase que vem sendo reproduzida entre professores em greve no Chile, no México e aqui: “ser professor e não lutar é uma contradição pedagógica”.
Sem muita enrolação, vamos direto para a entrevista, Caroline tem muito para dizer. Com vocês nosso ser complexo #13:
_Por que você aderiu à greve dos professores?
Porque a única resposta a todo esse processo de destruição da educação pública é a greve. Simplesmente não há outro meio de reverter esse quadro que tem se agravado de forma ainda mais veloz no governo Sérgio Cabral. Para além de todo sucateamento amplamente conhecido pela sociedade, o nosso cotidiano é marcado pela pressão em cima de todos os trabalhadores da educação que são vistos como os principais responsáveis pela suposta baixa qualidade do ensino público, pelo autoritarismo da secretaria de educação, pela desqualificação do nosso trabalho e pela perda da nossa autonomia pedagógica que, ao fim e ao cabo, significa a total descaracterização de nossa profissão. E é importante pontuar que temos total consciência de que o que estamos enfrentando no Rio de Janeiro é a mesma realidade de todos os professores não apenas do nosso país e que estamos enfrentando um projeto privatista de educação que já devastou países como Chile e México. A nossa luta é uma só e essa greve de 2013 cumpre um importante papel quando expõe para toda a sociedade o que de fato está acontecendo na educação pública, quando denuncia que este modelo de educação não interessa aos trabalhadores e conecta o nosso movimento a outras iniciativas de resistência.
_Há quem defenda que a greve prejudica os alunos. Você concorda?
De forma alguma. Todos nós que aderimos à greve temos claro que o que prejudica o aluno é não lutarmos por uma educação que atenda aos nossos interesses. O argumento de quem defende que a greve prejudica o aluno está sempre baseado em enormes equívocos. Primeiro, porque tende a considerar que o professor está na greve por interesse próprio, por reajuste salarial pura e simplesmente e aí o aluno ficaria em segundo plano. Segundo, porque não são curtos períodos de greve (considerando toda a vida escolar) que trazem danos ao processo de ensino-aprendizagem. É evidente que a questão salarial é fundamental. É fundamental para todos os trabalhadores, não é verdade? Logo, ela sempre será uma reivindicação justa. O que é preciso que se perceba é que a nossa luta é maior e essa questão se articula a outras reivindicações político-pedagógicas. Em resumo,o que prejudica os alunos é essa política educacional precária que os expulsa da escola (os índices de evasão escolar são assustadores) e que faz com outros tantos concluam o ensino médio com muitas deficiências.
_Você é professora de sociologia da rede estadual. Que alegrias isso te dá e que dificuldades há no caminho?
Bom, a Sociologia é uma ilustre desconhecida dos alunos quando eles chegam no ensino médio e temos uma enorme dificuldade em fazê-la mais presente nas suas vidas porque o Estado nos nega isso. Assim como a Filosofia, temos cinquenta minutos semanais nos dois primeiros anos e apenas no terceiro temos 100 minutos (dois tempos de aula). O que é uma verdadeira aberração pedagógica. As dificuldades são enormes e, inclusive, uma das nossas reivindicações nesta greve é que não exista nenhuma disciplina com menos de 1 tempo de aula. Por outro lado, e mesmo com tantos limites, eu sou encantada com as possibilidades que temos nas mãos. A Sociologia apresenta aos alunos instrumentos para que questionem aquilo que lhes é apresentado como imutável, os alerta para a permanente mudança social e para o nosso papel nesse processo. Mas, no atual contexto, eu acho que a Sociologia muitas vezes aparece também como uma aula diferente, que instiga o debate de ideias e estimula os alunos a se colocarem no meio da discussão, a trazerem para a escola as suas experiências. Mesmo com tantas dificuldades, ainda temos muitas possibilidades. Mas isso exige posicionamento diante dessa política do governo, exige que se olhe para os alunos de forma menos idealizada e se repense esse modelo de escola onde nem alunos nem professores têm mais lugar. Para o governo nós somos somente números, índices. A escola como está nos desumaniza.
DOIS FILMES
Pequeno grão de areia,
sobre a luta dos professores de Oaxaca,
no México.
A rebelião dos pinguins,
sobre o movimento dos estudantes secundaristas
no Chile.
_Sabemos que você é filha de professores. Como é ser filha de professor?
Meus pais são professores e desde muito cedo desenvolvi esse respeito em relação à profissão. Uma profunda admiração por quem tem como ofício compartilhar tudo aquilo que sabe, todo conhecimento acumulado, que dedica a sua vida a produzir mais conhecimento e a descobrir a melhor forma de fazê-lo. Por outro lado, eu sou fruto de um momento onde a profissão já estava numa veloz desvalorização e isso repercutiu nas minhas perspectivas profissionais. Não pensava em ser professora. Mas, uma vez em sala de aula, me apaixonei por aquilo. Vou contar uma história bem rápido, só para ilustrar mesmo. Meu pai sempre foi professor e enfrentou uma doença grave que o levou ao coma por três vezes. Entre um coma e outro ele corria para a sala de aula. Mesmo muito debilitado, magro demais, já com as sequelas da doença e de bengala, ele não se afastava da sua sala de aula. Durante uns bons anos eu me perguntava o porquê dele insistir em dar aulas mesmo tão fraco. Hoje eu entendo que aquilo era parte dele e que ele viveu um período onde se valorizava o seu trabalho. Existia dedicação mas também uma profunda identificação com o trabalho que se desenvolvia. Muito diferente do que temos hoje.
_O que é que o professor que está lutando está ensinando?
No Brasil temos longa história de lutas, de organização sindical, movimentos sociais. Mas ainda assim, a cada dia se trabalha muito na produção do esquecimento dessa rica história política. Temos muita gente empenhada em que essas experiências, quando muito, sejam percebidas de forma desconectada com os problemas que enfrentamos diariamente. Existe uma aposta muito grande na produção de esquecimento e do medo de se lutar por transformações mais profundas. Quando lutamos por melhores condições de trabalho, por uma outra educação e que para isso se faz necessário a greve, estamos todos convictos que qualquer conquista será fruto dessa luta. Não é nada fácil estar em greve porque é um momento de embate, de mais ameaças e retaliações. Para os alunos e para a sociedade com um todo, o que estamos ensinando é que ser omisso significa contribuir para o agravamento dessa situação que já nos parece insustentável, que só através da nossa luta teremos conquistas. Continuar trabalhando como se nada de grave estivesse acontecendo é oferecer de bandeja o silêncio tão necessário para que tudo continue como está. Seremos brutalmente reprimidos? Sem dúvida. A repressão dos últimos dias só evidencia ainda mais como é perigoso lutar pelos seus direitos ou qualquer tipo de mudança que beneficie a população. Desistiremos? Jamais! Se equivoca aquele que acha que a repressão destrói os laços que nos unem na luta.