* texto de Luiz Antonio Simas, que integra o livro “Ode a Mauro Shampoo e outras histórias da várzea“.
Somos, os brasileiros, pentacampeões mundiais de futebol. Perguntaram-me, certa feita, qual foi a maior das vitórias do futebol tupiniquim. A final contra a Suécia, em 1958? O saco que metemos na Itália, em 1970?
Matutei sobre os feitos do escrete, descartei as finais de 1962, 1994 (essa foi menos emocionante que a Missa do Galo daquele ano) e 2002, cogitei citar o baile que demos na Espanha na fase final da Copa de 1950, mas, na hora de responder, falei de forma automática, feito caboclo de umbanda:
— A maior vitória da história do futebol brasileiro não foi obtida pela seleção. Foi o vareio que o Paysandu de Belém deu no Peñarol do Uruguai em 18 de julho de 1965: 3 a 0 pro Papão no Estádio da Curuzu.
É verdade. Foi mesmo um feito digno de figurar nos anais da história. O Peñarol à época era uma máquina. O time titular era praticamente a seleção do Uruguai: Mazurkiewsk, Forlan, Abbadie, Pedro Rocha e Caetano, por exemplo, envergavam a camisa preta e amarela do time platino. Eram, os gringos, bicampeões da Libertadores da América, bicampeões uruguaios e campeões mundiais interclubes.
Pois o Paysandu deu um vareio nos homens. Com o ex-tricolor Castilho fechando o arco e um ataque encapetado — Vila, Milton Dias, Pau Preto e Ércio —, o Papão não tomou conhecimento da rapaziada do churrasco, jogou pra dedéu e liquidou a fatura de forma inapelável (Ércio, Milton Dias e Pau Preto fizeram os gols).
Ouso dizer que, em se tratando de confrontos na América Latina, o que o Paysandu fez com o Peñarol reduz a Batalha Naval do Riachuelo a um evento tão dramático quanto um passeio de elevador em um prédio de cinco andares.
O triunfo do Paysandu virou Belém de cabeça pra baixo. Houve carreata, ponto facultativo, desmaios, infartos, pororoca no Rio Guamá, pato no tucupi e o escambau. O Liberal, o maior jornal do Pará, estampou na manchete: “Triunfo do Papão é a vitória do Brasil”. Estava vingado o maracanazzo de 1950.
Daqui do Rio, basbaque com o triunfo, Nelson Rodrigues — garantindo que assistira ao jogo pelos rumores do vento — não deixava por menos em sua crônica no jornal “O Globo”: “O Paysandu tem camisa. Sendo preciso, sua camisa deixa de ser um trapo qualquer para erguer-se como um estandarte em chama […]. O Peñarol saiu de lá com as orelhas a meio pau. Três a zero! Um banho completo!”.
Uma grande história desse jogaço aconteceu nas arquibancadas. Um dos torcedores presentes ao embate, o fuzileiro naval Francisco Pires Cavalcanti, teve um treco durante a partida. Pires era músico da marinha e compositor, mas não conseguia compor nadica de nada há uns vinte e tantos anos. As musas do poeta estavam de férias.
Entusiasmado com o desempenho do seu Paysandu, o fuzileiro Pires teve uma inspiração súbita, uma espécie de estalo de Vieira. Num estado de transe que só o futebol proporciona, começou ali mesmo, nas arquibancadas, a compor uma marchinha em homenagem ao Papão e ao chocolate paraense nos uruguaios.
Encerrado o jogo, um eufórico Pires cantava que nem doido para não esquecer a melodia que acabara de fazer: “Uma listra branca, outra listra azul, essas são as cores do Papão da Curuzu”. O fuzileiro acabara de compor a ciranda, cirandinha do futebol do Pará.
Além, portanto, da vitória acachapante contra os gringos, aquela tarde de sol em Belém viu nascer um dos hinos mais simpáticos dos clubes de futebol do Brasil. Para muitos, inclusive, a marchinha de Pires é o hino oficial do Papão. Não é, mas é como se fosse.
Vou ser sincero: o hino oficial do Paysandu não me comove. Parece uma ladainha de igreja. Já a marchinha do fuzileiro Pires é boa pra burro. Cita o baile no Peñarol e ainda sacaneia o maior adversário, o Clube do Remo, ao se referir a uma biaba que o Papão deu no rival (um acachapante 7 a 0) no verso “Pintou o sete numa tela azul”. É isso, camaradas. Viva o glorioso Paysandu e viva o fuzileiro Pires, caboclo amazônico encantado nas arquibancadas da Curuzu toda vez que a torcida do Papão entoa sua marchinha arretada.