Por Allan Sieber*
Aos 18 anos, em 1948, Jouralbo Sieber fez sua primeira e – até 21 de junho de 2016 – única exposição. Saudado como um jovem talento da pintura gaúcha, o sujeito que fez o cartaz do evento não teve dúvida e cravou em letras garrafais: JURALBO SIEBER.
Sim, não é fácil se chamar Jouralbo. Ou ser Jouralbo.
De temperamento irascível e fazendo sempre o que bem entendeu, Jouralbo fez parte da gênese da propaganda gaúcha, começando a trabalhar num tempo que isso quase se resumia a neons na rua. E se chamava “reclame”, não propaganda. Começou como desenhista aprendiz na mítica Editora do Globo, trabalhando sob a tutela de Ernst Zeuner e convivendo com feras como João Fahrion, Mottini e Kuver, só para citar alguns. Depois passou por diversas agências, ora como diretor de arte, ora como fotógrafo, sem criar vínculos com nenhuma. Uma espécie de selvagem que só fazia o que queria e com frequência fazia exatamente o oposto do que pediam, por conta de sua índole inquieta.
Esse período de “formação” nos anos 1940 e as décadas seguintes foram quadrinizados por ele mesmo, com roteiros feitos por mim baseados em horas de entrevista com Jouralbo e compilados no “Ninguém me convidou” (reeditado em 2013 pela Mórula).
Depois disso Jouralbo gostou da função e começou a me mandar cartas com novas histórias, dessa vez não só de cunho autobiográfico, mas extrapolando para o fantástico e até o esotérico. O resultado disso é “O mundo segundo Jouralbo” (Mórula, 2016), segundo livro com histórias de Jouralbo, o “estreante” em quadrinhos provavelmente mais tardio do mundo todo (alguém tem o contato do Guiness aí, por acaso?) e em atividade frenética. Mas desta feita ele foi esperto e falou que não desenharia tudo, então convidei amigos e desenhistas que admirava para dar conta do farto material.
Essa exposição no Museu do Trabalho e o lançamento do livro fecham um ciclo de reaproximação minha com meu pai. Nossa relação antes de 2005 era bem distante, ele sempre foi muito fechado e eu arredio (tive a quem puxar). Esses livros e essa exposição são nada mais que um pretexto para eu entender quem é essa pessoa que atende por Jouralbo, tem poucos amigos e sempre trabalhou como um burro de carga para dar conta de 6 filhos. Acho que nos entendemos mais, falando sobre quadrinhos, discutindo roteiros, layouts, páginas, relembrando histórias e compilando causos. Posso até dizer que, finalmente, somos próximos, quem diria! Tive inclusive a suprema honra de desenhar lado a lado com ele, no meu estúdio no Rio, quando ele terminava as últimas histórias que lhe cabiam como desenhista. Ficamos lá eu e ele, cada um desenhando numa mesa, silêncio por horas eventualmente quebrado por um novo jorro de reminiscências de Jouralbo. A memória dele é prodigiosa, taí uma coisa que invejo. Eu esqueço até onde estão meus óculos (e eles quase sempre estão na minha cara), certamente isso não puxei dele. Mas desenhando do lado dele senti pela primeira vez uma cumplicidade de verdade, estávamos ali nós dois, imersos nos nossos desenhos, felizes por não ter ninguém nos enchendo o saco.
Gostamos disso, de desenhar e ficar quietos no nosso canto. E o tempo deu uma apaziguada na natureza selvagem de Jouralbo. Ele não quer mais enfrentar ninguém, ele só quer ficar na dele. Para alguém que se divertia batendo pregos com a própria mão só para causar um mal estar, é uma evolução e tanto.
Meu filho Max chama Jouralbo de “vô velhinho”, por conta de seu outro avô ser bem mais jovem. Mas somos, nós três, eu, Jouralbo e Max, velhinhos desde sempre. Falamos pouco e gostamos de desenhar.
* Texto publicado originalmente no jornal Zero Hora.