Nascido em Porto Alegre, Allan Sieber passa boa parte do seu tempo – ou pelo menos passava, antes do nascimento de Max, seu primeiro filho – na Toscographics, um estúdio focado em animação adulta, no Rio de Janeiro. Além de diretor de animação, Sieber é autor de quadrinhos e cartunista. Suas tiras podem ser lidas diariamente na Folha de S. Paulo, e algumas seleções de seus materiais podem ser vistos em livros já publicados, como “Preto no Branco” (2004) e “É tudo mais ou menos verdade” (2010), entre outros. Seu próximo livro, “Perca amigos, pergunte-me como”, será lançado em outubro, pela Mórula Editorial. Atualmente está com a exposição Racionamento de Cores, até dia 24 de setembro, na La Cucaracha.
Um homem de métodos, como ele mesmo disse, Allan Sieber é nosso ser complexo #12:
_“Perca amigos, pergunte-me como” é o seu novo livro. Você não acha que é um título pouco comercial? Ou vender livros não é seu objetivo? Que título seria um título comercial? “Veja aqui dentro fotos do meu rabo”? “Compre e fique rico”? “Poemas inócuos para ler depois do banho de cachoeira”? Claro que vender é meu objetivo, mas me resta ainda um pouco de dignidade e isso passa pelo título do livro.
UM LIVRO
“Com os olhos opacos, contemplou a parede de livros. Detestava a todos, tanto os velhos quanto os novos, tanto os intelectuais como os mais rasteiros, tanto os pretensiosos quanto os apenas engraçadinhos. A mera visão desses livros o fazia lembrar-se de sua própria esterilidade. Ali estava ele, supostamente um “escritor”, e nem era capaz de “escrever”! E não era simplesmente uma questão de não ser publicado; é que não produzia nada, ou quase nada. E toda aquela porcaria abarrotando as prateleiras – mas pelo menos era uma porcaria existente, o que não deixava de ser um tipo de realização.”
A Flor da Inglaterra
George Orwell
Cia. das Letras, 2007
_Ainda sobre seu novo livro, Xico Sá no prefácio diz que ele é “uma antologia de queixas-crime, ofensas, calúnias e difamações”. O que tem a dizer em sua defesa? Xico é um gentleman e fez um texto que não mereço. Mas é fato, tem bastante reclamação e algumas ofensas. Mas essa juventude sensível de hoje em dia também se ofende com qualquer coisa, como bem sabe o sábio Xico.
_Você tem feito algumas tiras, quadrinhos e cartuns sobre a experiência de ser pai. Não acha que seu filho, quando ler essas coisas, pode ficar decepcionado com o pai? Ora, ele vai ficar decepcionado comigo muito antes de aprender a ler. Provavelmente já não deve gostar muito do que vê aos 4 meses de idade.
_Na sua exposição “Racionamento de Cores”, você trabalha com azul, vermelho e amarelo. É estético ou economia de tinta mesmo? É método. Só trabalho com método. Aliás, faço tudo com método: comer, foder, desenhar, escrever. Acho tedioso o caos.
_Como se faz pra perder amigos? Eu não sei na verdade. Tenho pouquíssimos e nunca os perdi. Os que sumiram eu dei graças a Deus, porque eram pra sumir mesmo, eu não tenho muito saco para gente meia bomba. Mas parece que o pessoal hoje gosta muito de falar ao telefone e ser cumprimentado no aniversário. Todo mundo é Jesus Cristo é quer seu natal particular. Ah, sei lá. Meu melhor amigo continua sendo Leo, um cara que vejo atualmente duas vezes por ano. E ele não gosta de abraços.
Chargista, quadrinista, ilustrador, Benett desenha há algum tempo e sua principal plataforma, pelo menos quando começou, era a internet. Talvez por isso ele publique no Blog do Benett, no Benett Blog e no Charges do Benett, além de ter duas páginas na Gazeta do Povo, a de Charges e a Salmonelas. Isso sem contar suas contas no Flickr, Twittere Facebook.
Polivalente, ainda publica diariamente suas tirinhas na versão impressa da Gazeta do Povo, de Curitiba, e charges políticas na Folha de S. Paulo. Recentemente ilustrou o livro “Um operário em férias”, de Cristovão Tezza, que assina a quarta capa de seu próximo livro, com lançamento marcado para dia 21 de agosto, em Curitiba. Seu segundo livro traz o personagem Amok, um ser um tanto quanto diferente. A obra – Amok – cabeça, tronco e membros – sai pela mórula editorial e tem o prefácio de Fernando Gonsales.
Com vocês, Benett, nosso ser complexo #11:
“(…) trabalhava nas máquinas romanceadoras do Departamento de Ficção. Gostava de seu trabalho, que consistia basicamente em fazer funcionar e manter em bom estado um motor elétrico potente mas complexo. Era ‘ininteligente’, mas gostava de trabalhar com as mãos e ficava à vontade lidando com as máquinas. Era capaz de escrever todo o processo de composição de um romance desde a diretriz geral emitida pelo Comitê de Planejamento até os retoques finais realizados pelo Pelotão Reescritor. Mas não estava interessada no produto final. Não era ‘muito ligada em leitura’, disse. Os livros eram simplesmente um produto que precisava ser fabricado, como geleias ou cadarços.”
1984
George Orwell
Cia. das Letras, 2009
_O Amok é uma criança que odeia todo mundo e quer matar os coleguinhas de classe. Qual o limite que você vê para fazer humor? O meu limite é se acho relevante ou não. O Amok poderia muito bem ser uma espécie de Cyanide and Hapiness se eu desenhasse todas as piadas que o tema “amok” permite. Mas prefiro ter menos leitores e ser menos popular do que publicar tiras mais violentas e apelativas. Não porque eu ache isso imoral ou politicamente incorreto. Mas porque, dentro do que quero dizer, isso não tem relevância nenhuma. Não me interessa mostrar o Amok cortando os colegas de classe ao meio com uma serra-elétrica. Mas sim os motivos que o levariam a fazer isso.
_Você se diz um cara tímido. Você costuma desenhar coisas que tem vergonha de dizer/fazer? Bem… eu sou tímido quando tenho de falar sobre mim e sobre meu trabalho, então, podemos dizer que sim, desenho o que tenho vergonha de dizer. Vergonha não é bem o termo. Quando converso com as pessoas o último assunto que vou achar estimulante sou eu mesmo, porque convivo comigo e, afinal, o que mais quero quando encontro alguém é saber algo interessante.
_A gente sabe que você foi pai recentemente. E se seu filho decidir ser cartunista?
Acho que isso é tão provável quanto uma criança dizer que quer ser datilógrafa ou fabricante de clepsidras.
_Como seria uma dedicatória do livro do Amok para o Woody Allen?
“Sei que você não vai gostar”.
_O que seria do Benett sem boné?
Isso deve ser perguntado para pessoas como o Stephen Hawking.
Adepto da filosofia do menos – “consuma menos, ganhe menos e trabalhe menos” –, Luiz Antonio Simas é carioca e Império Serrano. Também é professor de história e desenvolve pesquisas sobre a cultura popular. É autor do livro “Tantas páginas belas: histórias da Portela”, além de “O vidente míope” em parceria com o caricaturista Cássio Loredano e “Sambas de enredo”, em coautoria com Alberto Mussa. Defensor da anulação da privatização do Maracanã, é contra o tratamento mercadológico dado atualmente ao futebol e diz que a estrela solitária do seu Botafogo sempre brilhará, “nem que seja apenas como vaga projeção de incêndios, centelhas de vida, no meu peito apaixonado”.
Com vocês, Luiz Antonio Simas, nosso ser complexo #10:
_Você diz que a privatização do Maracanã marca a supremacia do mercado sobre a cultura. Como isso acontece e o que isso implica?
Acontece porque o futebol passa a ser tratado como um mero evento, legitimado apenas pelo valor de mercado que uma partida pode ter e mensurado pelas perspectivas de lucro que um jogo, um campeonato ou um jogador podem gerar. Isso implica na perda de uma dimensão cultural mais profunda do futebol, que no Brasil foi fundamental na construção de certa identidade nacional e da nossa invenção como povo. Além disso, cabe lembrar que o jogo foi um dos raros espaços de projeção social das populações negras e pobres.
UM LIVRO
Do meu amigo e parceiro de sambas e candomblés Alberto Mussa. O trecho é o da fala de Exu.“Eu sou andarilho antigo. Venho de andar muitas léguas. A terra é do meu tamanho. O mundo é da minha idade. Não há números para contar as proezas que fiz no tempo em que tenho andado: colhi mel de gafanhoto; mamei leite de donzela; esquentei sem ter fogueira; cozinhei sem ter panela; já fiz parto em mulher velha; emprenhei recém-nascida; trago a cura das moléstias e as perguntas respondidas. Quando soube do mal do vosso rei, vim oferecer os meus serviços. Só que tudo tem seu preço.”
Elegbara
Alberto Mussa
Editora Record, 2005
_Qual o problema de chamar estádio de arena, passe de assistência e jogador reserva de peça de reposição?
De cara temos um empobrecimento do vocabulário. O futebol no Brasil, como metáfora da invenção da nação, criou um dialeto próprio, inusitado, repleto de soluções instigantes e enriquecedoras da língua. Quando trocamos isso por expressões aparentemente neutras, mais adequadas ao universo das empresas, reduzimos o jogo – novamente – ao mero evento, simples entretenimento, pautado pela lógica enfadonha e impessoal do mercado.
_Há quem diga que já não existe diferença entre esquerda e direita. Você concorda?
Não concordo. As noções de esquerda e direita pautadas pelo imaginário do século XX, em especial pelas paixões da Guerra Fria, certamente ficaram obsoletas. Bobbio, entretanto, dizia que ser de esquerda é priorizar a luta pela igualdade, enquanto a direita em geral defende a ideia de que é natural, em qualquer sociedade, surgirem elites políticas, econômicas e sociais. Me afino mais, neste caso, com a esquerda. Defendo a igualdade em perspectivas mais amplas que as clássicas visões econômicas e sociais; destacando questões que vão do direito de cada um exercer a condição sexual que lhe apetece à dignificação de culturas alheias ao imaginário dominante judaico-cristão. Sou um libertário de esquerda, basicamente, vendo na igualdade o fundamento para o exercício livre das diferenças.
_Qual a principal contribuição da cultura sacro-africana na construção de uma sociedade mais justa, mais fraterna? O respeito às diferenças e, sobretudo, a sacralização da natureza, que serve como contraditório a um projeto de desenvolvimento catastrófico, pautado pela lógica consumista do ocidente. Os cultos afro-ameríndios, ainda, contribuem para uma sociedade mais fraterna ao dignificar culturas e saberes historicamente desprezados, deslocando o foco de percepção do mundo para os povos dominados pelo complexo econômico-militar de países vistos, arrogantemente, como centrais.
_A estrela solitária ainda brilha? Brilhará sempre, nem que seja apenas como vaga projeção de incêndios, centelhas de vida, no meu peito apaixonado.
Como nós somos exagerados e o raro leitor deste blog já sabe disso, não vemos nenhum problema em dizer que o PTSC da semana é com um dos melhores humoristas brasileiros da atualidade.
Não, gente, não entrevistamos o cara do Porta dos Fundos. Até porque ninguém mais suporta ler entrevista deles.
O entrevistado da semana é o Rafucko. Afinal, tem como não achar gênio o cara que faz isso aqui?
Ele é videomaker, humorista, apresentador, editor, roteirista e anda cheio de projetos. Faz sucesso com seus tutoriais de maquiagem e é figurinha carimbada nos protestos cariocas. Aliás, os protestos renderam bons vídeos que podem ser vistos no canal dele do YouTube.
Na entrevista, Rafucko enfrenta a polêmica do humor “politicamente incorreto” com classe e nos conta, com exclusividade, quem anda precisando de um bom pancake na cara.
Com vocês, Perguntas Triviais para Rafucko, o rei do chroma key.
_Seu humor tem uma pegada política. Por que? Não fica ideológico demais?
Sempre fiz humor com questões cotidianas. De uns tempos pra cá, a política tomou uma dimensão maior na minha vida e na de muita gente, acredito. Faço humor com o meu dia a dia – e, cá entre nós, na política tem um monte de piada pronta! Na verdade, eu acho a política melhor que novela, até. Imagine uma trama onde um governante perde sua amante em um acidente de helicóptero, outro governante homossexual enrustido mantém amantes em seu próprio gabinete, parlamentares anti-drogas financiados por traficantes… Tem tudo isso e muito mais! A política é tudo, menos chata.
_Há quem acredite numa polarização entre humor politicamente incorreto e politicamente correto. Existe mesmo essa polarização?
Existe uma diferenciação, sim, nos tipos de humor. Mas essa divisão que costumam fazer não é certa, não. Acho que “politicamente incorreto” é dizer aquilo que não se diz. Para ser “politicamente incorreto” não precisa necessariamente ser opressor. Fazer piada com a mulher submissa, o negro criminoso e o gay promíscuo é repetir o que já é dito, à exaustão. Entretanto, há quem ria dessas piadas e os humoristas justificam que “falarão o que for necessário para fazer rir”.
Danilo Gentilli fez uma piada sobre judeus e os empresários dessa religião ameaçaram tirar todo patrocínio ao seu novo talk-show. Nesse caso, e somente nesse caso, ele pediu desculpas. Com isso, fica claro que a maioria do humor atualmente dito “politicamente incorreto” é, na verdade, “opressor”, “repetitivo”, nada autêntico, e dificilmente poderia se encaixar na categoria de “humor”.
_Quando você começou a produzir os vídeos? De onde vem a ideia de fazer algo que deve tomar muito tempo, deve dar muito trabalho e (a gente tem quase certeza) não deve pagar suas contas?
Comecei durante a universidade, mas já tinha feito vídeos desde a época do colégio (infelizmente os VHS foram queimados na época da adolescência, quando bom-senso não fazia parte do meu vocabulário – vide foto acima).
Adoro essa pergunta, “de onde vem a ideia?”. É a pergunta que mais fazem. Às vezes, as ideias vêm da minha cabeça, outras vezes da minha barriga, de me olhar no espelho, de ficar calado assistindo pessoas conversando no almoço, de conversas ouvidas no ônibus, de palavras que eu ouço errado… Tudo que eu vivo vira piada depois de um tempo, porque… Sei lá, acho que simplesmente porque é mais legal assim.
UM LIVRO Rafucko escolheu um quadrinho do livro
“O Pintinho”, da editora
Lote 42, 2013.
Dá muito trabalho e nenhum dinheiro, mas me traz outros trabalhos que, estes sim, dão dinheiro. Faço o que faço por necessidade, é a verdade da minha existência. Se eu não faço isso por dinheiro, não posso deixar que a falta dele me impeça de continuar. Como utopia não paga conta, aproveito o espaço para dizer que tô disponível pra freelas de edição de vídeo, roteiro, direção, atuação, modelagem, manequim, colagens, design, presença VIP em festas e protestos e, fora isso, eu tô com uns projetos aí…
_Uma questão de ordem: de onde vem esse “Barbacena” no seu e-mail, no seu canal do Youtube, na sua vida?
Apelido de criança. Rafaelito Barbacena e Rafucko foram meus únicos apelidos, mas nunca duraram muito tempo. Meu sonho era ter um apelido (nem “Rafa” pegava comigo).
_Quem anda precisando urgentemente de um tutorial de maquiagem do Rafucko?
Eu gostaria muito de fazer uma maquiagem no prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, que é um cara que me inspira muito. Passaria um pancake branco em todo o rosto, pintaria o nariz de vermelho, botaria uma peruca colorida, talvez umas cores em volta do olho e um sapato grandão, tamanho 53. O visual seria mais adequado para as suas falas, e ainda tem a coisa do “palhaço assassino”, que figura no imaginário popular, bem adequado às violações de direitos humanos praticadas pela prefeitura durante a sua gestão.
Nosso ser complexo desta semana é uma mulher que, em menos de 30 segundos, desafiou a poderosa Fifa e ainda fez sua imagem correr o mundo. Cláudia Wer é atriz, mora no Rio e até a cerimônia de encerramento da Copa das Confederações era mais uma entre tantos voluntários do evento.
A essa altura todo mundo já sabe o que ela fez, mas nós estávamos muito curiosos para saber de onde ela tirou tamanha coragem. O PTSC #8 mata nossa curiosidade e ainda traz outras opiniões de Cláudia Wer, a bolinha subversiva que pensou em deixar de ser voluntária quando os protestos na ruas cresceram, mas viu ali uma chance de protestar ainda mais.
_Por que você decidiu ser voluntária da Fifa?
O que me impulsionou a ser voluntária foi a causa – o futebol. O futebol existe muito antes da Fifa. Aliás, a gênese do voluntariado é a causa e não a grana (alguns desavisados pensam que as pessoas só trabalham por dinheiro). Soma-se a isso a experiência, poder conhecer outras pessoas, outros profissionais. Ao mesmo tempo os protestos nas ruas se avolumaram e eu já participava deles, pensei em sair, aí me ocorreu que talvez minha permanência poderia somar ao movimento das ruas.
_De onde surgiu a ideia, aparentemente absurda, de levantar um cartaz num território da Fifa, sendo que a Fifa abomina manifestações políticas?
A ideia foi levar a voz das ruas pro Maraca. Na verdade não pensei em Fifa, pensei sim nos excelentes profissionais que estavam lá trabalhando e isso apertou meu coração, mas resolvi focar no coletivo, que tem vivido dias tão difíceis.
_ Por que você quer a anulação da privatização do Maracanã?
Elton (meu amigo que segurou a faixa e a confeccionou) lançou o tema e comprei a ideia. Achei importante defender o Maraca dentro do território do Maraca, fazendo pipocar questões relevantes sobre os custos que envolveram a reforma que passa de 1 bilhão, a inaceitável privatização, e também os gastos com a Copa. Ou seja, a temática era diretamente relacionada à festa e foi também levantada pela população [nas ruas]. Não sou contra o futebol nem contra a Copa. Sou contra uma máquina nefasta e perversa que utiliza eventos como esse para interesses de poucos usando dinheiro público.
UMA FRASE
A frase escolhida por Cláudia é de Eduardo Galeano e foi dita durante uma entrevista do escritor para jovens da Catalunha.
“Este mundo de merda está grávido de outro.”
_Depois de levantar o cartaz você aparece no vídeo gritando. O que você gritava? Por que você voltou depois pro seu lugar como se nada tivesse acontecido?
“Não à privatização do Maraca, o Maraca é nosso”. A faixa não foi vista por todos, tentei levar o recado pra gente do outro lado. Pensamos em levantar a faixa nos segundos finais da coreografia, na formação de saída do grupo. Seria levantar, tentar virar a faixa e voltar pra formação porque só conhecíamos um único caminho de saída possível. Foi quando me veio o coordenador e pediu pra eu me retirar imediatamente. Como já havia passado a mensagem e a faixa tinha sido arrancada da gente, achei por bem me retirar do campo.
_A Copa do mundo é nossa?
Penso que cancelar a Copa poderia trazer um prejuízo adicional por conta da multa prevista nesse caso, mas não é opção descartada. O que não invalida a necessidade de imediata investigação dos gastos com a Copa em todos os níveis de governo e responsabilização. Queremos nomes, julgamento, penalização aplicada e devolução do dinheiro devido, mediante resultados dos processos.
UM LIVRO O melhor do livro é que inspirou o Mark Chapman.
“Uma porção de gente, principalmente esse cara psicanalista que tem aqui, vive me perguntando se eu vou me esforçar quando voltar para o colégio em setembro. Na minha opinião, isso é o tipo da pergunta imbecil. Quer dizer, como é que a gente pode saber o que é que vai fazer, até a hora em que faz o troço? A resposta é: não sei. Acho que vou, mas como é que eu posso saber? Juro que é uma pergunta cretina.”
O Apanhador no Campo de Centeio
J. D. Salinger
O Amok, pelo visto, não gosta muito de conversar. Foi sucinto nas respostas, mas nem por isso deixou de ser incisivo. Pelo visto também não gostou muito das perguntas, desejando que o entrevistador nunca mais visse um crepúsculo na vida. Mesmo com esse seu jeito nada carinhoso, ainda consegue conquistar alguns fãs. Personagem criado pelo cartunista Alberto Benett, Amok de vez em quando dá as caras no jornal Gazeta do Povo, de Curitiba e terá um livro com suas principais tirinhas lançado em julho, pela Mórula Editorial. Benett é ainda chargista da Folha de S.Paulo.
Com vocês a seção Perguntas Triviais para Seres Complexos (PTSC) com Amok, o nosso ser mais complexo até então.
_Amok, seu nome diz alguma coisa sobre você? Falta muito para acabar esse interrogatório?
_Você tem medo da morte? Você já disse que não teria coragem de machucar seu “crânio fofinho”. …
_Qual o seu problema com as pessoas extrovertidas? Elas são meio chatas, expansivas, invasivas, teatrais. Normalmente parecem… felizes. Quem gosta de ver outras pessoas felizes?
_Você se acha bem representado pelos ídolos de sua época, como Justin Bieber e Luan Santana? Eu adoraria vê-los… pendurados numa árvore.
_E no campo da literatura e do cinema, o que tem a dizer sobre a saga Crepúsculo? Crespúsculo é o que eu queria que a pessoa que pensou nessas perguntas nunca mais visse na vida.
O poeta, letrista de sambas e ladainhas, rubro-negro, batuqueiro, psicólogo e pesquisador Rodrigo Bodão é o novo entrevistado do PTSC. Com o lançamento de seu novo livro “22 devaneios de um poeta à deriva” já marcado para o próximo dia 9 de abril, no Sebo Baratos da Ribeiro, em Copacabana, Bodão responde com poesia e se diz exagerado em tudo. Ou melhor, em quase tudo: “Eu sempre fui um cara de excessos. Pra beber, pra fumar, pra comer, pra foder, pra porra toda. Menos pra trabalhar e estudar, nisso eu sou bem controlado…”, explica.
Com vocês o nosso ser complexo #6, um poeta à deriva, mas que sabe seu rumo.
_Você é um sujeito das redes sociais. Isso não atrapalha a vida fora delas?
Talvez atrapalhasse se houvesse realmente uma vida fora delas, eu diria. Eu vejo as redes sociais como mais uma dimensão da vida, virtual, mas não menos inserida, menos parte dela. Pelo contrário, eu sou um cara extremamente comunicativo, muitas vezes mais tagarela do que eu queria e esses espaços virtuais são, nada mais, nada menos, do que possibilidades de intensificar esse meu impulso de conversar e falar com as pessoas, mantendo-me conectado com elas.
Tem a coisa da superexposição, mas, enfim, não ajo nelas tão diferente do que faço normalmente, no dia a dia. Sou, como disse, tagarela, boca aberta, a exposição da minha vida sempre foi intensa, de minha parte mesmo. Lembro inclusive que muitos amigos por diversas vezes vinham me advertir de que eu me exponho demais, que não devia falar isso ou aquilo, que não é bom para minha imagem, meu lado profissional e tal. Bom, tal como nunca soube gerenciar isso bem na minha vida, isso vai acontecer também no facebook, nos blogs, em tudo quanto é canto. Falador passa mal, rapaz, mas é isso aí mesmo, fazer o quê, faz parte.
O pior mesmo é quando a coisa vai mais além do que já é excessivo, geralmente quando ficava bebendo de madrugada, principalmente… Aí, fodeu, sai tudo mesmo. E era sempre uma correria de manhã para remover as postagens antes que as pessoas lessem…
O que tenho que controlar um pouco é a mania de escrever poesias direto no facebook. Não por divulgar precocemente um poema. Pelo contrário, gosto disso. Além disso, adoro que meus textos e poemas sejam curtidos, comentados e compartilhados. Sou vaidoso e a resposta quase imediata das pessoas me agrada. O problema é que eu posto e não guardo, muitas vezes, o que escrevi, o que me faz perder alguns poemas. Mas estou dando um jeito nisso.
No mais, é tanta coisa que pode ser dita que prefiro responder com um poema que postei outro dia desses:
facebook qual panopticon do fake holly motors virtual palco ágora pancake capital e exposição é controle é putaria que se estende em meu colchão
é tortura é orgia é trabalho é diversãoé debate verborragia é invento e repetição
extensão do dia a dia é cansaço indignação
moralismos disfarçados alegria de HD onde surgem amizades e mandamos se fuder
é um vício é morcegada é fuga e obsessão
é entrega é potência é a vida é um vão
patente de um filho da puta com cara de babaca que enche o bolso de milhão
rede que nos prende e solta oculta e remove: é espelho e é ilusão
compartilha comenta e ocupa a vida a orgia e a solidão
e é por isso que eu lhe digo nesse momento de pura explosão o que sinto tão sincero do fundo do meu coração:
facebook eu te amo! só que não.
_O que seria um “poeta de calçada”? Você se vê assim?
Essa é uma definição temporária, mas nem por isso menos verdadeira, da minha poesia. Aliás, menos da poesia em si, suas imagens e reflexões, e mais do seu estado de espírito e do cenário habitual das criações e invenções. É, além disso, uma alusão e homenagem ao João Nogueira, poeta do samba e da vida que muito admiro.
Eu amo a rua, isso é fato. Mesmo quando estou em casa, a maior parte do tempo estarei na janela, você pode ter certeza. Adoro caminhar a esmo, perambular sem rumo certo, ver o que acontece, no que vai dar. Ver as modas, como minha avó costuma dizer. Parar num botequim e ficar ali vendo o movimento, o vai e vem das pessoas, os tipos do lugar, as conversas, as músicas, o jeito de andar, de se vestir, o clima do local.
E ainda que não seja o mote principal nos conteúdos explorados pelos meus versos, essa profusão de sentidos que a rua nos oferece está presente nos meus devaneios e nos poemas que derivam dessa perambulação. A rua é o palco do diverso, e essas vozes todas favorecem a minha criação que, penso, do contrário seria demasiadamente triste, tal como eu fico triste quando enquadrado em quatro paredes por muito tempo.
Eu até sou chegado a derramar meus versos pelas ruas, mas eu diria que, quando assim me defini, o que mais influenciou foi esse prazer de vivenciar a rua, o cotidiano da cidade nas suas veias mais sórdidas e artérias mais iluminadas! Enfim, as possibilidades e caminhos abertos pela endorfina das caminhadas, pelo contato ainda que apenas visual com as pessoas, pelas conversas, pelos encontros, pelas perspectivas que são abertas e que vem para arejar o pensamento e disparar a poesia.
_Seu novo livro tem o 22 no título. É só por conta dos 22 poemas da primeira parte?
É e é mais, né. Tem uma jogada aí, até bem escancarada, com o número 22 que está ligado a figura do louco, do maluco de carteirinha, uma figura que sempre esteve, em certa medida, vinculada a mim. Principalmente por conta da minha relação com as drogas e com os excessos de modo geral. Eu sempre fui um cara de excessos. Pra beber, pra fumar, pra comer, pra foder, pra porra toda. Menos pra trabalhar e estudar, nisso eu sou bem controlado…
UM LIVRO É cliché, mas é foda! E em inglês, fica ainda mais bonito:
“the only people for me are the mad ones, the ones who are mad to live, mad to talk, mad to be saved, desirous of everything at the same time, the ones that never yawn or say a commonplace thing, but burn, burn, burn like fabulous yellow roman candles exploding like spiders across the stars and in the middle you see the blue centerlight pop and everybody goes ‘Awww!'”
On the Road
Jack Kerouac
Agora, por exemplo, quando entro numa de parar de beber tem que ser uma medida radical, nem um gole, sem essa de abrir uma exceção em uma ocasião especial. Porra nenhuma, é tipo lei seca mesmo, tem que ser assim. Até porque se eu der um gole, eu sei muito bem onde isso vai parar. Ou não vai parar, melhor dizendo…
E pensando bem, por outro lado, se você for ver mesmo, eu nem sou tão louco assim. Sem álcool, eu sou um cara totalmente tranquilo, equilibrado, organizado, na minha. O mundo é que é muito careta mesmo.
_A gente sabe que você já trabalhou em hospital psiquiátrico e hoje é pesquisador numa ONG que trabalha com Direitos Humanos. A poesia tem alguma relação com seu trabalho?
Do mesmo jeito que a rua influencia meus versos. Conhecer as pessoas, suas histórias de vida, outras perspectivas, a própria questão da loucura… Conhecer todo sofrimento que envolve a loucura quando é vivenciada dessa forma, sem romantismo. E mais, já com algum lirismo, perceber na loucura uma crítica encarnada do mundo me pôs em confronto com uma série de verdades estabelecidas. Ninguém sai ileso de determinadas experiências de vida. Nesse sentido é que a minha poesia pode ter alguma relação com meu trabalho, por via indireta, como reflexo quase inconsciente. De modo geral, eu odeio a intencionalidade militante na poesia. Logo, isso não vai aparecer nunca de uma forma direta, panfletária.
_O que acontece quando sai Rodrigo e entra Bodão?
Não lembro… O que aconteceu?
Eu? Sério?
Hum, puta que pariu, que merda, hein…
Hehehe
A nova entrevistada da sessão PTSC é paulista, mas tem ritmo de carioca. Tranquila, ela exercita a paciência há algum tempo ilustrando os trabalhos da mórula. Paula já fez conosco capa de revista,capa de livro e outras coisas mais. Paulica, como ela costuma assinar seus trabalhos, além de responder as nossas perguntas triviais ainda fez a gentileza de desenhar sua citação. A entrevista ficou um charme. E para não perder o clima, quando terminar, corre no blog da Paula que tem muita coisa linda por lá.
Com vocês, Paula Santos, nosso ser complexo #5:
_É dura a vida de uma paulista no Rio?
Depende do tipo de paulista. Eu sou do interior de SP, então tenho algumas características diferentes de uma paulistana. Morei em São Paulo capital e gostei, mas lá já sentia que algo não se encaixava bem com meu ritmo. Embora custos como moradia e alimentação estejam muito altos no Rio, em São Paulo eu sentia que ficava mais refém de grana para me divertir. Aqui no Rio tenho mais opções de lazer que não envolvem gastar muito dinheiro, como ir à praia, cachoeira, andar na lagoa etc. Em relação ao trabalho, mesmo nos primeiros anos morando aqui, São Paulo continuou sendo mais presente para mim. Eu morava e tinha emprego fixo no Rio, mas a maioria dos meus freelas continuava vindo de São Paulo. Passados três anos, eu estou conseguindo ter uma abertura de mercado maior por aqui, mas foi uma construção.
_O que dizer para o cliente que pede uma ilustração e quando ela está pronta diz: “não era bem assim, muda essa cor, aumenta aqui, mexe acolá” – e no fim quer outra coisa?
Antes de chegar a esse ponto, acho que é preciso fazer o cliente entender que todo trabalho deve começar com uma boa conversa sobre o projeto e o que se espera dele, o famoso briefing. Isso foi uma coisa que aprendi com a prática. Fui percebendo que é importante investir o meu tempo nessa primeira etapa, pra correr menos risco de ter que voltar à estaca zero. Aprendi que, quanto mais completo o briefing, menor a chance de você chegar a um resultado que não agrade o cliente. Agora, às vezes acontece de o cliente mudar de ideia no meio do projeto. Se é assim, você tem que tentar fazê-lo entender que, em efeito cascata, o briefing também muda, e o orçamento também.
_O que você mais gosta de ilustrar?
Tive uma fase de fissura por desenhar passarinhos. Desenhava eles por prazer, sem necessidade de haver um projeto que os envolvesse como tema. Hoje meus temas favoritos são os relacionados à cultura, principalmente à cultura popular. A música, por exemplo, é um tema que me inspira muito, seja em ilustrações por trabalho, seja por lazer.
_E para quem você jamais faria uma ilustração? Por quê?
Procuro não restringir muito, afinal é o meu ganha pão. Mas tem algumas pessoas que nem por muito dinheiro eu conseguiria pegar no lápis. Políticos corruptos, por exemplo.
_Palavras dizem mais que imagens? Ou é o contrário?
Palavras podem ser mais precisas, mas as imagens ampliam os significados.
UM LIVRO
Memórias Inventadas: a infância
Manuel de Barros
Editora Planeta, 2003
Marcos Alvito é antropólogo, mas dá aula na faculdade de história da Universidade Federal Fluminense. Nasceu em Botafogo, mas é rubro-negro. Gosta de samba e se diz pandeirista amador. Este é o novo entrevistado do PTSC, que acaba de lançar dois livros. Um sobre futebol e outro sobre samba.
O professor conversou conosco por e-mail e falou sobre esses dois temas que define como suas paixões. Falou também sobre megaeventos e subverteu a ordem. Os leitores deste blog já sabem que todo entrevistado indica um livro. Pois Alvito negou o pedido dos editores e indicou uma música. Pensamos em não aceitar, mas como era um samba, não tivemos como recusar.
Com vocês, Marcos Alvito em cinco perguntas triviais, ao som de Paulo Vanzolini.
_Você acaba de lançar dois livros. Um sobre samba e outro sobre futebol. Quando sairá o livro sobre cerveja?
Do jeito que os sambistas consomem o precioso líquido, acho que um livro já está contido no outro…
_Das histórias que você conta no livro sobre samba, qual a sua favorita?
Poxa, essa pergunta é maldosa, é como querer que eu goste mais de um filho do que de outro. Mas é claro que eu tenho um carinho especial pela primeira história que escrevi e que abre o livro. Eu conto como Noel Rosa, no leito de morte, pede a seu irmão que o vire de lado. Na nova posição, Noel começa a batucar na mesa de cabeceira, com muito ritmo, mas que vai decrescendo, decrescendo… Noel viveu e morreu fazendo samba. Mas a maioria das histórias é bem mais alegre.
_ Há quem diga que o Rio de Janeiro vive seu melhor momento, com investimentos e preparativos para os grandes eventos. Qual a sua opinião sobre isso?
Vocês me pediram para escrever pouco. Basicamente, trata-se de um projeto de transformação do Rio de Janeiro em cidade-mercadoria, não mais uma cidade para os seus habitantes, mas para os grandes projetos comerciais, em detrimento das nossas tradições. Acho que o “novo” Maracanã é o exemplo maior das barbaridades que estão sendo cometidas em nome do “progresso”. O preço dos imóveis, dos aluguéis e do custo de vida disparou. E sabemos muito bem quem lucra com isso: os políticos mauriçolas, as empreiteiras, os especuladores, os grandes proprietários.
UMA MÚSICA
“Um homem de moral
Não fica no chão
Nem quer que mulher
Lhe venha dar a mão
Reconhece a queda
E não desanima
Levanta, sacode a poeira
E dá a volta por cima”
Volta por cima
Paulo Vanzolini, gravado pela primeira vez por Noite Ilustrada, em disco de 1963
_Conte-nos uma partida de futebol inesquecível.
Aconteceu na Inglaterra, onde eu torcia para o Oxford United, então na 5a. divisão. O Oxford ia mal e a partida seria televisionada pela Setanta Sports, uma rede a cabo menor, uma espécie de 2a. divisão televisiva. Acontece que nos últimos 7 jogos que a Setanta havia transmitido, o Oxford havia perdido. O adversário desta vez era sem maior expressão, o Rushden & Diamonds. Mas o jogo era no campo deles. Logo o Oxford toma o primeiro gol. Nossa torcida, eu incluído, nem se abala e começa a gritar: We are going to win two, one. Ou seja, vamos vencer por 2×1. Em seguida, o 2º gol deles. Vamos vencer por 3×2 e assim quando eles fazem o 3º e o 4º gols, vamos vencer de 5×4. Mas quando eles fazem o 5º nossa torcida resolve inovar: We want six. Nós queremos seis, nós queremos seis. Em seguida, fizeram um trenzinho e começaram a cantar que estavam dançando a Conga. Feliz daquele que sabe sofrer, dizia Nelson Cavaquinho. Estas e outras histórias da minha temporada na Inglaterra eu conto no livro A Rainha de Chuteiras: um ano de futebol na Inglaterra (Clube de Autores, 2012).
_Com que zagueiro do Flamengo você faria dupla e qual intérprete de samba você acompanharia no pandeiro?
Gostaria de ter a glória de formar na zaga com Leandro, o zagueiro mais técnico que já vi jogar. Seria uma boa dupla, pois eu sou um zagueiro totalmente sem técnica. Seria uma suprema honra bater um pandeiro para sua alteza Paulinho da Viola cantar.
Ela é jornalista, pesquisadora, cinéfila, poeta e tijucana. Talitha Ferraz é tudo isso e algo mais: a mais nova autora da mórula editorial. Ela publica conosco a segunda edição do seu livro “A segunda cinelândia carioca”, que trata dos cinemas de rua na Tijuca.
O livro é resultado da pesquisa de mestrado de Talitha. Ela deu continuidade à vida acadêmica e hoje encontra-se em Lisboa, estudando. Foi de lá e, tomara, acompanhada de um bom vinho, que ela respondeu ao PTSC desta semana. Com vocês, a complexidade deleuziana de Talitha Ferraz em cinco perguntas e um livro:
_Você escreveu um livro sobre cinema de rua. Por quê? Você gosta de cinema de shopping?
Escrevi um livro sobre cinemas de rua porque gosto de cinema de rua, apesar de ir também a cinema de shopping (com menos frequência), e porque estudei/estudo o papel que as salas de exibição cinematográfica, como equipamentos coletivos, têm no arranjo das cidades, nas configurações urbanas e na vida das pessoas. Acredito que as cidades perdem um pouco de sua vitalidade quando os cinemas saem das calçadas – dando lugar a igrejas, farmácias, ou quando são demolidos – e o acesso ao audiovisual cinematográfico em salas comerciais fica restrito aos grandes centros de compra, nos quais o consumo é a razão primordial. Um cinema de rua, por mais que se curve aos ditames do capital (é indústria, é comércio, ok…), deixa derramar um pouco de magia em seu entorno via cartazes, via letreiros, via filas, via pipoqueiro, via gente que fica na porta só olhando, via foyer que serve de ponto de encontro entre pessoas que às vezes nem estão tão afim de ver filmes, mas usam o equipamento que está com portas voltadas para a rua.
_Você acha importante preservarmos cinemas de rua?
Justamente para que tenhamos opções, para que o acesso aos cinemas não fique à mercê da existência de um shopping center, para que alguns prédios pérolas das arquiteturas art-nouveau ou art-déco não desapareçam ou virem igrejas protestantes, para que a gente possa um dia estar andando na rua, como quem não quer nada, e num relance ser invadido pela força cinematográfica. E outra coisa: as ruas têm que ser ocupadas por equipamentos culturais… Falo de sala de cinema, mas seria bacana se, por exemplo, o pessoal cineclubista pudesse ter acesso à gestão de algumas salas de cinema abandonadas. Seria bacana se pudessem existir mais cinemas a preços “baixos”, distribuídos por toda a cidade (toda no sentido de toda mesmo, não de “toda a cidade” no sentido de Zona Sul), tal como algumas iniciativas público-privadas vêm concretizando, com reaberturas e inauguração de salas.
UM LIVRO
“Não há movimento artístico que não tenha suas cidades e seus impérios, mas também seus nômades, seus bandos e seus primitivos.”
Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia
Gilles Deleuze e Félix Guattari
Editora 34, 1997
_Seu livro não é só sobre cinema de rua. É cinema de rua na Tijuca. Diz aí o que a Tijuca tem de especial.
A Tijuca foi o bairro do Rio de Janeiro que mais teve cinema, em meados do século XX, depois do Centro (Cinelândia). Foi um dos primeiros lugares no Rio a receber salas de exibição, ainda no perfil cine-teatro, em 1907. Há dados que indicam, inclusive, que a Tijuca teve até mais cinemas de rua do que a Cinelândia por um certo período. Mas para saber, tem que ler a pesquisa… E a Tijuca é a Tijuca! Bairro cheio de particularidades históricas muito fortes na vida do Rio de Janeiro.
_Um filme inesquecível visto num cinema de rua. Conta a história desse dia.
Eu frequentei os cinemas de rua da Tijuca quando ainda era criança e no início da adolescência. Depois disso, todos fecharam e viraram outra coisa. Sendo assim, as minhas memórias guardam as impressões sobre filmes aos quais assisti na tenra infância. Os da Xuxa e os dos Trapalhões, esses vi todos nos cinemas de rua da Tijuca, na Praça Saens Peña e arredores. Lembro-me de uma sessão em que fui assistir ao “Super Xuxa Contra o Baixo Astral” (eu gostava da Xuxa, não se sabe muita coisa sobre a vida quando se é criança e não, não, não: criança não é um ser sábio). Nessa sessão, a minha prima Luana chorou muito com medo do Guilherme Karan, que fazia o Baixo Astral. Naquele dia, eu fiquei um pouco irritada com o
choro dela, mas hoje vejo que ela tinha total razão em chorar.
_A gente sabe que você está fora do Brasil. “Do leme ao pontal, há algo igual”?
Não há nada igual do Leme ao Pontal, graças a Deus! E é por isso que o Rio de Janeiro é magnífico e sempre será a minha casa. Volto logo! Não vejo a hora de ter uma sensação térmica de 50°, embalando a escrita de minha tese sobre as extintas salas de cinema da Zona da Leopoldina, subúrbio do Rio, que defendo em março de 2014.
Esta semana, na seção Perguntas Triviais para Seres Complexos (PTSC), o blog da mórula conversou com o poeta e fundador da Cooperifa Sérgio Vaz. Sua história se confunde com a da Cooperifa, que há 11 anos realiza semanalmente – sempre às quartas-feiras – o Sarau da Cooperifa no Bar do Zé Batidão, na periferia de São Paulo. Essa história está retrada no livro “Cooperifa – Antropofagia periférica”, um dos três livros publicados pelo autor. Os outros são de poesia: “Literatura, pão e poesia” e “Colecionador de Pedras”.
Na sequência, Sérgio Vaz em cinco perguntas e um livro:
UM LIVRO
“A Esméria parou na frente dele e me chamou, disse para eu fechar os olhos e imaginar como eu era, com o que me parecia (…) Eu sabia que tinha a pele escura e o cabelo duro e escuro, mas me imaginava parecida com a sinhazinha. (…) Era muito diferente do que imaginava, e durante alguns dias me achei feia, como a sinhá sempre dizia que todos os pretos eram e evitei chegar perto da sinhazinha.”Um defeito de cor
Ana Maria Gonçalves
Editora Record, 2009
_O que você acha do título de ‘poeta da periferia’?
Não sei se mereço, mas agradeço. Esse título tem hora que ajuda, tem hora que atrapalha. Mas quem pode controlar a língua das ruas, né?
_Quem é esse ‘povo lindo e inteligente’ que você dialoga?
O povo da periferia, da favela, essa gente que adora um Deus chamado trabalho.
_O mundo precisa de mais poesia?
Mas é claro! Esse mundo precisa de governantes poetas (Sarney não vale).
_”Isso de ser exatamente o que se é ainda vai nos levar além”?
Sim, sonhar com as mão. Acredito nisso.
_Suas pedras têm quebrado muitas vidraças?
Muitas, inclusive a minha (risos).
Não, raro leitor, a mórula não está lançando seu partido político. Este é o primeiro post de uma nova sessão do blog: Perguntas Triviais para Seres Complexos – PTSC.
É entrevista, mas não é só entrevista. É também literatura e ironia, quinzenalmente, com um novo ser complexo.
Quem inaugura a sessão é Renato Cafuzo, ilustrador, designer, índio, caboclo, criolo, como diz a música. É só olhar a foto para ver que não estamos exagerando.
Renato é ilustrador oficioso da mórula em diversos trabalhos. Já fez conosco a revista Democracia Viva e alguns livros. É também parceiro na criação dos marcadores literários.O primeiro deles já saiu com desenho do Cafuzo e texto do barbudo do Cosme Velho.
Sem maiores delongas, Cafuzo em 5 perguntas e um livro:
UM LIVRO
“O conceito de jogo enquanto tal é de ordem mais elevada do que o de seriedade. Porque a seriedade procura excluir o jogo, ao passo que o jogo pode muito bem incluir a seriedade.”
Homo Ludens
Johan Huizinga
Editora Pespectiva, 2000
_Você é ilustrador e designer. Como se deu isso? Você estudou? Vive disso hoje? Desenho desde criança e nunca “funcionei” direito pra coisas que não gostava, cresci ouvindo que desenhar não dava dinheiro a não ser que eu fosse arquiteto e dessa ideia eu não gostava. Quando vi a oportunidade de fazer design gráfico fiquei empolgado porque achava que era o mais próximo do que eu gostava de fazer.
Estudei design gráfico no Senai e trabalhava pra pagar o curso, dei a sorte de já começar estagiando na área, então era estudo teórico de um lado e prática de outro. Os estudos em design também serviram pra evoluir na ilustração e, mais tarde, fiz (e ainda faço) alguns cursos livres mais específicos.
Hoje trabalho com os dois, mas o que me sustenta mesmo é o design, isso me permite ser mais livre nas escolhas que faço sobre ilustração.
_Você mora na Maré. Há quem ache a Maré um lugar “perigoso”. Você acha?
Não mais que o restante do Rio. Um professor meu sempre fala sobre a diferença do perigo e a sensação de perigo. Essa segunda se dá por outros fatores que não envolvem a segurança em si, mídia, falas de quem nunca botou o pé aqui, até o contexto histórico de como a favela é vista até por ela mesma. Mas acho que ainda tem muita coisa pra acontecer aqui e isso deve mudar de alguma forma.
_O que responder para o cliente que não quer pagar e manda o clássico: “vai ser uma boa divulgação para o seu trabalho”?
De qualquer forma meu trabalho vai ser divulgado, ele é feito pra isso, ilustrar uma veiculação. Então isso não serve de contrapartida pra um não-pagamento. Existem milhões de outros motivos que me fariam até gastar dinheiro pra concluir um desenho, mas não esse.
_Para quem você jamais faria uma ilustração? Por quê?
Pra muita gente, mas não tenho interesse nenhum em fazer pra campanhas políticas. Acho que o (meu) desenho, apesar de buscar a figura humana, tem uma carga muito lúdica e isso fala de emoções, afeta pessoas.
Não consigo confiar num partido a ponto de servir de voz pra isso e pensar que o meu trabalho, que é simbólico, moveu alguém a acreditar em algo tão sério e que eu não tenho certeza se é verdade.
_É melhor um passarinho na mão ou dois voando?
Gosto de passarinhos, se eles também gostarem de mim, virão cantar na minha janela.
A revista Poli, publicação da Escola Politécnica da Fiocruz, publicou em sua primeira edição de 2015 uma resenha do livro “A Comunicação do oprimido e outros ensaios”. A resenha é de Erick Dau, jornalista e aluno do programa de pós-graduação0 em comunicação e cultura da UFRJ. Leia o texto na íntegra ou na própria revista através do link: bit.ly/16a14bi
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Não passa ainda de sua pré-adolescência o século 21, e já é assaz eloquente a respeito de seu futuro. A se julgar pela infância, cheia de profundas crises e graves traumas, sua idade adulta não será provavelmente um mar de tranquilidade como seus ancestrais repetidamente previram e – cinicamente – desejaram. Para uma breve ideia, faça-se lembrar que sua primeira guerra, a invasão norte-americana ao Afeganistão, ainda hoje não está terminada.
As múltiplas faces da história, contudo, demandam um olhar mais otimista para esse despertar de século. As rebeliões do mundo árabe, o despertar da juventude europeia e aqui, no Brasil, a tomada das ruas no movimento de junho – todos estes episódios trazem consigo importantes lições. Sem dúvida, uma das mais fundamentais e importantes tem a ver com o proeminente papel da comunicação nos processos subversivos do capitalismo mundializado.
A Comunicação do Oprimido, novo livro de Eduardo Granja Coutinho, vem contribuir para corrigir o descompasso político e temporal entre os movimentos sociais organizados no Brasil e o papel crucial da comunicação em suas lutas. Reunindo 11 artigos atravessados pela questão da via pacífica de nossa formação social e amplamente referenciados pela obra de Antonio Gramsci, o livro discute a comunicação no
Brasil de maneira ampla.
Deste modo, analisa por exemplo a fala de Bezerra da Silva como forma de contestação da hegemonia pela música; traz a crítica literária de Carlos Nelson Coutinho para traçar o panorama cultural literário nacional; evoca o pensamento de Muniz Sodré no reconhecimento da cultura negra – em especial do samba – na fundação de uma cultura brasileira.
É claro que um trabalho como este não poderia deixar de falar da Rede Globo – fato raríssimo entre os intelectuais da comunicação no Brasil, mesmo os de esquerda. Em ensaio dedicado ao tema, Coutinho traça precisamente as relações entre a TV Globo e a ditadura militar no país.
O conjunto do livro está, de fato, baseado em uma análise histórica da formação cultural brasileira – no campo da televisão, da linguagem, da música, da literatura, da imprensa – aliada às características fundamentais
dos processos de desenvolvimento do país. Por isso, o livro tem o grande mérito de trazer para o lado esquerdo deste terreno – o da luta de classes – uma certeza que há muito já é conhecida pelos donos do
poder: a comunicação é fator fundamental para a vitória de qualquer projeto político – condição que se aprofunda conforme avançam as técnicas e os meios de produção específicos da área comunicacional e, com eles, o controle social dos discursos.
“Em última análise, todo processo de hegemonia é, necessariamente, um processo de comunicação. […] Pela comunicação, formam-se e transformam-se as ideologias que agem ética e politicamente na transformação da história.”, diz o autor, num postulado que se mostra especialmente correto para este século pré-adolescente.
Não há, entre os ensaios, grandes promessas ou fórmulas para a salvação da humanidade. Ao contrário, o problema da comunicação como meio de dominação e hegemonia é tratado com pinça e lentes de aumento, nos seus mínimos detalhes. Nesta minúcia, inspirada pela ciência marxista, Coutinho deixa transparecer, ao lado da oportunidade e da responsabilidade dos movimentos sociais de se apropriarem da comunicação, todas as dificuldades e as idiossincrasias que tamanha tarefa encarna.
Se os ensaios mostram que, por um lado, a comunicação serviu à criação do consenso entre as classes subalternas no país, por outro, ela também foi e deve ser o meio de propagação da luta contra-hegemônica