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PTSC #10 :: Simas

Foto: Edu Goldenberg
Foto: Edu Goldenberg

Adepto da filosofia do menos – “consuma menos, ganhe menos e trabalhe menos” –, Luiz Antonio Simas é carioca e Império Serrano. Também é professor de história e desenvolve pesquisas sobre a cultura popular. É autor do livro “Tantas páginas belas: histórias da Portela”, além de “O vidente míope” em parceria com o caricaturista Cássio Loredano e “Sambas de enredo”, em coautoria com Alberto Mussa. Defensor da anulação da privatização do Maracanã, é contra o tratamento mercadológico dado atualmente ao futebol e diz que a estrela solitária do seu Botafogo sempre brilhará, “nem que seja apenas como vaga projeção de incêndios, centelhas de vida, no meu peito apaixonado”.

Criado no Brasil “dos campos de futebol, mercados populares, terreiros de macumba e rodas de samba“, em setembro lança seu próximo livro, este pela mórula editorial. Novidades muito em breve.

Com vocês, Luiz Antonio Simas, nosso ser complexo #10:

_Você diz que a privatização do Maracanã marca a supremacia do mercado sobre a cultura. Como isso acontece e o que isso implica?
Acontece porque o futebol passa a ser tratado como um mero evento, legitimado apenas pelo valor de mercado que uma partida pode ter e mensurado pelas perspectivas de lucro que um jogo, um campeonato ou um jogador podem gerar. Isso implica na perda de uma dimensão cultural mais profunda do futebol, que no Brasil foi fundamental na construção de certa identidade nacional e da nossa invenção como povo. Além disso, cabe lembrar que o jogo foi um dos raros espaços de projeção social das populações negras e pobres.

UM LIVRO

Do meu amigo e parceiro de sambas e candomblés Alberto Mussa. O trecho é o da fala de Exu.“Eu sou andarilho antigo. Venho de andar muitas léguas. A terra é do meu tamanho. O mundo é da minha idade. Não há números para contar as proezas que fiz no tempo em que tenho andado: colhi mel de gafanhoto; mamei leite de donzela; esquentei sem ter fogueira; cozinhei sem ter panela; já fiz parto em mulher velha; emprenhei recém-nascida; trago a cura das moléstias e as perguntas respondidas. Quando soube do mal do vosso rei, vim oferecer os meus serviços. Só que tudo tem seu preço.”

Elegbara
Alberto Mussa
Editora Record, 2005

_Qual o problema de chamar estádio de arena, passe de assistência e jogador reserva de peça de reposição?
De cara temos um empobrecimento do vocabulário. O futebol no Brasil, como metáfora da invenção da nação, criou um dialeto próprio, inusitado, repleto de soluções instigantes e enriquecedoras da língua. Quando trocamos isso por expressões aparentemente neutras, mais adequadas ao universo das empresas, reduzimos o jogo – novamente – ao mero evento, simples entretenimento, pautado pela lógica enfadonha e impessoal do mercado.

_Há quem diga que já não existe diferença entre esquerda e direita. Você concorda?
Não concordo. As noções de esquerda e direita pautadas pelo imaginário do século XX, em especial pelas paixões da Guerra Fria, certamente ficaram obsoletas. Bobbio, entretanto, dizia que ser de esquerda é priorizar a luta pela igualdade, enquanto a direita em geral defende a ideia de que é natural, em qualquer sociedade, surgirem elites políticas, econômicas e sociais. Me afino mais, neste caso, com a esquerda. Defendo a igualdade em perspectivas mais amplas que as clássicas visões econômicas e sociais; destacando questões que vão do direito de cada um exercer a condição sexual que lhe apetece à dignificação de culturas alheias ao imaginário dominante judaico-cristão. Sou um libertário de esquerda, basicamente, vendo na igualdade o fundamento para o exercício livre das diferenças.

_Qual a principal contribuição da cultura sacro-africana na construção de uma sociedade mais justa, mais fraterna?
O respeito às diferenças e, sobretudo, a sacralização da natureza, que serve como contraditório a um projeto de desenvolvimento catastrófico, pautado pela lógica consumista do ocidente. Os cultos afro-ameríndios, ainda, contribuem para uma sociedade mais fraterna ao dignificar culturas e saberes historicamente desprezados, deslocando o foco de percepção do mundo para os povos dominados pelo complexo econômico-militar de países vistos, arrogantemente, como centrais.

_A estrela solitária ainda brilha?
Brilhará sempre, nem que seja apenas como vaga projeção de incêndios, centelhas de vida, no meu peito apaixonado.

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