Com foco na engrenagem colonial que administra burocraticamente corpos racializados e criminalizados em vida e morte, Amanda Quaresma elabora uma análise extremamente ética e sagaz, a partir da Chacina do Cabula. A autora explora o cotidiano do judiciário e das organizações policiais equilibrando compromisso político e competência teórico-metodológica.
Ciente de que o Direito é linguagem para poucos, Quaresma decifra quilômetros de armadilhas do Direito Penal, explicita edições e manobras de procedimentos oficiais, aprende e ensina a ler “vestígios deixados no local do crime e nos corpos das vítimas”. Temos em mãos um livro capaz de desestabilizar certezas equivocadas: quem são as pessoas protegidas pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa da Polícia Civil do Estado da Bahia? Quem aparece morto e quem aparece vivo na papelada dos casos de homicídio?
O “corpo masculino, vítima de PAF em confronto da PM; apresentando 30 anos de idade, cabelo RASTA!”, como informa um registro de ocorrência, é alvo da violência de Estado tanto quanto a própria periferia onde nasce e morre. Quaresma conecta raça, racismo, território e tecnologias governamentais, nos mostra o funcionamento de uma Salvador que se quer invisível e inalcançável.
Combustível político e intelectual para o fim do genocídio antinegritude, este livro fortalece
demanda central dos movimentos de familiares de vítimas da violência do estado brasileiro para que haja perícia independente. As vidas e seus mortos são homenageados nesta obra incontornável, um livro escrito com a sensatez de quem sabe onde os pés pisam antes de erguer a cabeça.
Juliana Farias
CRIME, VIOLÊNCIA