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PTSC

PTSC#27

foto Luis Henrique 2014É possível que o leitor reconheça Mauro Iasi como professor da UFRJ. Ou mesmo como dirigente partidário do PCB, partido pelo qual foi candidato a presidente em 2014. Ele é também um dos autores desta casa. Mauro organizou “Ecos do golpe – a persistência da ditadura 50 anos depois” e publicou conosco na antologia “Cultura, democracia e socialismo”. Pois Iasi é mais que isso, de fato um ser complexo. Na entrevista a seguir, apresentamos o poeta, autor de “Outros tempos”, nosso novo lançamento.

Nestas perguntas triviais Mauro fala de poesia, do próprio livro e, como não podia deixar de ser, analisa a conjuntura. Afinal, o que espera o poeta das eleições e da Copa do Mundo?

_Você é dirigente partidário, professor, poeta e foi candidato a presidente. Quem é Mauro Iasi?
No momento pai do Camilo (do Gi e da Má) e em breve avó do Tom. Sou um educador popular, emprestado para a Universidade, e, quando crescer, quero ser poeta e comunista.

_Por que você diz que “Outros tempos” reúne poemas “noturnos”?
Meus poemas sempre foram militantes, comprometidos com a luta e, por isso mesmo, com a paixão e a vida. Acontece que, às vezes, a vida fica difícil, como agora. São tempos de retrocesso, de abismos, de derrota e a poesia reflete tudo isso. Mas, é de noite que a gente sonha, não é?

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UM LIVRO

“Versos não se escrevem para a leitura de olhos mudos. Versos cantam-se, urram-se, choram-se (…) Repugna-me dar a chave de meu livro. Só quem for como eu tem essa chave”.

Mário de Andrade. Poesias completas.
Edição crítica de Diléa Zanotto Manfio.
Edusp, 1987

_Toda poesia é política?
Toda poesia viva é política, toma partido, escolhe seu lado, sofre, cicatriza. Poesia exige sensibilidade diante da vida e aquele que consegue ficar imune diante da injustiça do mundo, deste pais oligarca e escravista, tem alguma coisa de errado. O caráter político da poesia não se encontra só naquilo que ela diz, em seu conteúdo, a poesia é também forma, ritmo, imagem e sensação que se sugere àquele que lê. Ela provoca e incita o mundo a mudar para continuar vivo.

_Você tem um poeta preferido?
Fica difícil dizer um só. Fui criado lendo Neruda, Guillén, Vallejo, descobri como que tomado por um furacão o enorme Maiakovski e Brecht. Mas quem primeiro me mostrou a força que a poesia tem e me fez levantar do chão da vida, foi Drummond. Agora, quem é brasileiro e da minha geração logo aprendeu que poesia vem junto com a música e daí meus poetas são Aldir Blanc, Victor Martins, Cacaso, Fernando Brant, Chico Buarque entre tantos outros.

_Você arrisca previsões para 2018? O Brasil ganha a Copa? Quem será eleito presidente?
Difícil. Vai ter muita luta e muita coisa vai mudar. No momento estou torcendo contra, contra a Reforma da Previdência e o saco de maldades do usurpador. Desde Johan Cruyff eu torço para a Holanda, ela está fora da copa este ano, mas não importa, torço mesmo assim. Não seria interessante se quem estivesse disputando por fora das regras da FIFA acabasse ganhando? Viva o Poder Popular, quem sabe?

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PTSC #26

Crédito: Maria Buzanovsky
Crédito: Maria Buzanovsky

Pesquisadora e mãe da Cecília, Pâmella Passos também não é de perder um baile funk. Professora do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ), Pâmella lança seu novo livro: “Vozes a favor do golpe! O discurso anticomunista do Ipês como materialidade de um projeto de classe”, que discute o papel do Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais na legitimação do golpe de 1964 no Brasil. Na entrevista ela fala do livro e de paralelos possíveis com a realidade atual, funk e da importância de uma educação crítica dentro e fora das escolas para combater o machismo cotidiano. Com vocês nosso ser complexo 26.

O livro está disponível para download gratuito

As peculiaridades dos ingleses e outros artigos

UM LIVRO

“…as classes não existem como entidades separadas que olham ao redor, acham um inimigo de classe e partem para a batalha. Ao contrário, para mim, as pessoas se vêem numa sociedade estruturada de um certo modo (por meio de relações de produção fundamentalmente), suportam a exploração (ou buscam manter o poder sobre os explorados), identificam os nós de interesses antagônicos, debatem-se em torno desses mesmos nós e, no curso de tal processo de luta, descobrem-se a si mesmo como uma classe…”

As peculiaridades dos ingleses e outros artigos
E. P. Thompson
Unicamp, 2001

1_O seu novo livro Vozes a favor do golpe! trata do discurso anticomunista durante a ditadura civil-militar no Brasil. Daria pra traçar alguma semelhança com a realidade política atual?

Com certeza, principalmente quando vemos setores conservadores da sociedade brasileira revisitar a imagem de combate ao comunismo procurando construir a imagem de que estão salvando o país. Nesse movimento reivindicam o nacionalismo, elemento central do anticomunismo no Brasil que foi usado tanto para justificar o golpe de 1937 dado por Getúlio Vargas e que instaurou a Ditadura do Estado Novo como em 1964 para derrubar João Goulart e mergulhar o país nos Anos de Chumbo.

2_O projeto de dominação da elite – que você apresenta em seu livro – a partir do discurso anticomunista do período de ditadura militar no Brasil poderia ter algum paralelo com o discurso midiático hoje?

Sim, pois na conjuntura que antecede ao golpe a elite busca construir sua chegada ao poder não só através das armas, mas também dos discursos. Coerção e consenso vão sendo produzidos para garantir a tomada do poder. Hoje, com a mídia ocupando cada vez mais espaços na política torna-se fundamental para a elite a produção de conteúdos midiáticos que busquem transformar seus interesses de classe em interesses supostamente coletivos.

3_Falando em discursos, o machismo está aí no nosso dia a dia. Como fazer para combatê-lo diariamente?

Com uma educação crítica dentro e fora das escolas. Gênero precisa ser debatido em todos os espaços, para que nosso país saia das taxas absurdas de práticas de violência contra as mulheres.

4_E essa discussão acerca do funk ser ou não cultura, ou de ser uma cultura menor? O que pensa sobre isso?

Funk é Cultura! Pessoas que tem dificuldade com esta afirmação ainda estão presas em uma visão de cultura baseada em gostos e extremamente elitizada. Não há hierarquização cultural, temos práticas culturais, suas experiências e seus registros, quem afirma o contrário disto não compreendeu o conceito de cultura.

5_Professora, ativista, pesquisadora, feminista, funkeira… e mãe da pequena Cecília. Seu dia tem quantas horas?

Meu dia, como o de muitas mulheres, tem infinitas horas de: trabalho, alegrias, estudo, angústia, culpa, amor, diversão e luta por uma sociedade diferente, menos acelerada na qual tudo isso caiba em 24h com 8h de sono. Mas por enquanto não está sendo assim. Hahaha.

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PTSC #25

sambafabatoFanático pela Mocidade e pelo Flamengo, o jornalista e escritor Fábio Fabato é nosso ser complexo número 25. O co-autor de “Pra tudo começar na quinta-feira” explica a origem de seu apelido e de sua paixão pelo carnaval, arrisca um enredo caso fosse carnavalesco e ainda conta o motivo pelo qual não desfila pela Mocidade.

_Qual a história do apelido Fabato?
Fabato é o meu sobrenome advindo da região da Gália Cisalpina, lugar do totêmico Lucio Roscio Fabato, e anexado à Itália há um bom número de anos. Sabe-se, ainda, que um certo sujeito chamado Clodio Fabato assistiu à crucificação de Cristo e relatou o fato numa carta. Tudo isto, pasmem!, é verdade!, exceto o fato de que Fabato compõe meu sobrenome. Ele é mesmo um apelido – de infância – para me diferenciar dos colegas de classe (quando eu nasci, em razão do sucesso do então galã – e magrinho – Fábio Jr., havia mais Fábios que baratas…), formado pelas iniciais dos meus sobrenomes: Bastos e Torres.

_De onde vem essa paixão por carnaval?
De pai e mãe, que desfilavam pela Mocidade quando eu era guri. Achava uma doideira maravilhosa a minha casa ser invadida por índios e outra fantasias, e aquela gente toda partir para “combater” num lugar com pinta de autódromo, finalizado por um monumento em forma de bunda (Apoteose) e transmitido pela TV. Voltavam de lá contando vantagens, ganhavam todo ano. Foi paixão arrebatadora, invasora, definitiva. Deu nesse monstro louco por ziriguidum aqui.

Crônica de uma morte anunciada

UM LIVRO

“No dia em que iam matá-lo, Santiago Nasar se levantou às cinco e meia da manhã para esperar o barco em que chegaria o bispo”

Crônica de uma morte anunciada
Gabriel García Márquez
Record, 1981

_Se o Fabato fosse carnavalesco que enredo ele faria?
Engraçado, ontem tomava um chope com uns amigos e falávamos disso. Eu contei que adoraria uma coisa maluca de fundir a Fafá de Belém com uma proposta de redescobrimento do Brasil na contramão da história, acabando com as injustiças, pregando a igualdade de credos, cores, tudo. Por que a Fafá? Acho um símbolo de Brasil miscigenado, tal qual a Elza Soares, mas é que ela também tem aquele elo com Portugal, que completaria o meu enredo. Seria algo na linha “A rainha Fafá conduz a barca voadora do redescobrimento na contramão da história a partir da pátria outrora descoberta e hoje miscigenada, Brasil”. Terminaria em Portugal, claro. A nau voadora faria o sentido contrário de 1500 e flutuaria ao sabor músicas dela, como a “tempestade nuvem de lágrimas”, no “coração do agreste”, ficaria “p da vida” com a corrupção, diria que seu coração é vermelho, e acabaria na festa bonita, ó pá, aquela do Chico. Caraca! Que piração inclusiva maneira! Vou escrever este troço.

_Você é tão apaixonado por carnaval, por que a gente nunca te vê desfilar pela Mocidade?
Fui campeão em 1996 e desfilei até 2002. Depois, participei de alguns desfiles. Mas quando comecei a comentar por rádio e televisão, achei melhor ficar do lado de fora, contemplando a escola e as outras. Gosto dessa noção do todo de uma apresentação, assistir da raiz às pontas. Mas confesso: em 2017, quando a Mocidade voltou a ser competitiva, esperei a escola passar todinha por mim e… Ah…!, depois corri atrás. Foi bonito demais o seu reencontro com os bons carnavais, e caí dentro como o moleque de outras folias.

_Mocidade ou Flamengo? Qual dos dois define o mapa da vida do Fabato?
Mezzo calabresa, mezzo frango catupiry, 50 a 50, o côncavo e o convexo. O Flamengo me deixa mais triste em derrotas, e a Mocidade me fará o homem mais feliz do mundo caso vença. Diante do jejum de mais de 20 anos, acho que prefiro um título imediato dela. Mas o amor é dividido igualzinho, sem predileções. Pelo menos acho. Pelo menos até a hora do hepta (dele) ou hexa (dela). Aí faço o tira-teima existencial do coração vagabundo neste mundão de meu Deus.

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PTSC #24

Foto: Rodrigo Macedo
Foto: Rodrigo Macedo

Sr. ou Sra. Leonor? Como? Leonora? É Leonor e é senhora, mas nem tão senhora, embora tenha um filho de 15 anos. É que foi mãe cedo, aos 19 anos. E além do Lucas – seu filho – essa gestação gerou mais um rebento, o livro ENEOTIL: mãe é pra quem a gente pode contar tudo, mas não conta nada. Com muito humor e afeto, ela conta que ser mãe é uma briga constante entre emoção e razão, a vontade egoísta de não deixá-lo ir e a lembrança da vida que você queria ter quando tinha a idade dele.

Namorando a Mórula há um tempinho, lança o livro agora em março pela editora. Tem ainda uma promoção pra quem não puder ir ao lançamento: comprando o livro pelo site da editora até dia 1º de março recebe o livro autografado em casa com frete grátis.

Com vocês, Leonor Macedo, a @subversiva, corintiana, mãe do Lucas e jornalista, nosso ser complexo #24

_O subtítulo do seu livro é “mãe é pra quem a gente pode contar tudo mas não conta nada”. Se soubesse mais da vida do Lucas você lançaria o quê, uma enciclopédia?

Acho que toda mãe poderia lançar uma enciclopédia do próprio filho, se a gente resolvesse abrir a boca (também sou filha que não partilha tudo com a própria mãe)!

Eu-Receberia-as-Piores-Noticias-dos-Seus-Lindos-Labios

UM LIVRO

“Poucas vezes me senti tão confortável no mundo. E, no entanto, sofria, por antecipação, o grande vazio que seria o resta da minha existência sem ela.

O que acontece é que, quando estou com você, eu me perdoo por todas as lutas que a vida venceu por pontos, e me esqueço completamente que gente como eu, no fim, acaba saindo mais cedo de bares, de brigas e de amores para não pagar a conta. Isso eu poderia ter dito a ela. Mas não disse.”

Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios
Marçal Aquino
Companhia das Letras, 2005

_Julio Bernardo [no texto apresentando seu livro] fala que você transforma maternidade em arte, assim como Sócrates dava passes de calcanhar. E no futebol, dá pra se comparar ao Doutor?

Talvez só no sonho de ver um futebol democrático e usado como instrumento transformador. Mas na habilidade para o futebol, minha nossa senhora. Eu até me arrisco e não jogo de todo mal, mas jamais me compararia ao meu grande ídolo corinthiano. Dentro e fora do campo.

_Você costuma dizer que tem nome de velha. O que seus pais falam sobre isso?

Eu transformei isso em uma piada, adoro meu nome. Quando era pequenina, eu sofria, queria um nome comum. Não me conformava em ter sido batizada Leonor, lembro que queria chamar Ana. Mas meu nome é uma homenagem a minha avó que não conheci e que tenho grandes afinidades. Meus pais sempre me contaram isso até eu aprender que era um nome quase exclusivo, praticamente só meu. Eles sabem que eu brinco com isso, então levam na brincadeira também.

_Um churrasco com cerveja gelada (sem TV) ou um jogo do Corinthians no estádio (sem cerveja)?

Se for um jogo do Corinthians no Pacaembu, não importa a falta de cerveja, o calor, ou a chuva. Não troco por nada. Agora, nessas novas arenas e frias, está difícil não preferir um churrasco com cerveja gelada (e o jogo do Corinthians no radinho).

_Diga aí um jogo do Corinthians inesquecível. E um “esquecível”. 

Posso viver mil anos e nunca vou esquecer da final da Libertadores na Bombonera, em 2012. A primeira vez que pisei no estádio do Boca foi em um jogo deles, em uma viagem turística para Buenos Aires. Foi em 2007 e pensei que queria muito ver um jogo do Corinthians lá. Calhou de ser uma final de Libertadores, a nossa primeira, a invicta. E eu fui. Faltou só o Lucas do meu lado.

E esquecível? Quando o Corinthians foi eliminado pelo Palmeiras na Libertadores de 1999. Não gosto nem de lembrar.

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PTSC #23

Essa foto jamais poderá ser usada para ofender a imagem do fotografado, atentar contra sua honra e dignidade. Seu uso destina-se a fins jornalísticos, informativos, educativos, artísticos e em campanhas humanitárias. Proibida a utilização sem autorização do autor. Para usa-la, entre em contato com lbaltar@gmail.com. Essa foto está resguardada por direitos autorais. Rio de Janeiro xx/xx/2014.
Luiz Baltar, autorretrato. Foto: cortesia.


Fotógrafo documentarista formado pela Escola de Fotógrafos Populares do Observatório de Favelas e pela Escola de Belas Artes da UFRJ,
Luiz Baltar desde 2009 registra o cotidiano, o processo de remoções forçadas e as ocupações militares em diversas favelas cariocas. Vencedor em 2016 do prêmio de fotografia da Fundação Conrado Wessel com o projeto “Fluxos”, Baltar desenvolve documentações sobre o direito à cidade, realiza trabalhos autorais no campo da fotografia contemporânea e participa do coletivo “Favela em Foco e dos projetos “Tem Morador e “Folia de Imagens. O fotógrafo é também autor das imagens que integram o livro “SMH 2016: Remoções no Rio de Janeiro Olímpico, editado pela Mórula. Com 49 festas de São Jorge comemoradas, além da premiação com o “Fluxos” recebeu o Prêmio Brasil de Fotografia e Melhor Portfólio do FotoRio 2015.

 

Com vocês nosso 23º ser complexo.

 

1_Como retratar remoções e ocupações militares em favelas respeitando os que mais sofrem com essas ações – os moradores?

É preciso não só ter empatia com os moradores e o território, mas também reconhecimento por quem está lutando para resistir e reinventar maneiras de viver apesar de tantas violações. Comecei fotografando como testemunha de momentos que não teriam visibilidade ou seriam esquecidos se não tivessem câmeras registrando e acabei como apoiador e amigo de pessoas que admiro muito.

UM LIVRO

“O que a arte pode fazer, eventualmente, é reenviar as pessoas para algo melhor, para uma visão mais sagaz e mais larga do mundo. O que a arte pode fazer é, de certa forma, mudar as hierarquias sensíveis do pensamento, dando as mesmas experiências a pessoas diferentes, que vivem em universos sensíveis muito diferentes.”

O Espectador Emancipado
Jacques Rancière
Orfeu Negro, 2010

2_Você fotografa do ônibus o seu trajeto, que no dia a dia se repete. As imagens desse trajeto também se repetem?

As imagens nunca se repetem. A cidade que observo do ônibus se transforma no mesmo ritmo das cenas que passam pela janela. Mesmo assim são poucos os passageiros que percebem a diversidade e riqueza visual da cidade durante a viagem.

A paisagem da Zona Norte é pouco notada, e por isso não representada, apesar de ser vista diariamente por um número enorme de pessoas que circulam por suas vias. Democratizar a cidade passa, também, por disputar sua representação, ressignificar a experiência de quem circula por ela, atribuir importância às narrativas periféricas e salvar do esquecimento uma memória ainda não registrada.

3_O que importa mais, a qualidade da câmera ou o olhar do fotógrafo?

Sempre o olhar. A melhor câmera é aquela que temos na mão e na ausência de uma é através do olhar que vamos construindo nosso repertório de narrativas e imagens.

4_Algumas imagens que produz dão a impressão de que são “fotografias em movimento”. Como é esse processo ou técnica?

Tenho uma formação em gravura anterior à fotografia, pela Escola de Belas Artes (UFRJ), e trago essa bagagem para o meu trabalho autoral. Com a câmera ou com o celular vou captando imagens, às vezes até de forma aleatória, sem me preocupar com enquadramento ou composição.

É no computador, no processo de edição que as imagens vão ganhar forma e sentido. As experimentações visuais vão sendo incorporadas. Junto duas, três ou mais fotos em múltiplos ângulos. Reinvento, reforço, excluo, repito e me aproprio de imprevistos que surgirem durante o processo. Quebra, fragmentação e reconstrução. As imagens capturadas são divididas, achatadas, alongadas e repetidas no formato de longos e sucessivos instantâneos. É um processo que costuma ser chamado de fotografia expandida. Procuro uma linguagem próxima da gravura com estética de processos artesanais como o pinhole.

5_No tempo livre o que um fotógrafo faz, além de fotografar?

Vê o trabalho de outros fotógrafos, lê sobre fotografia, fala de fotografia, pensa e sonha com fotografias o tempo todo.

 

 

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PTSC #22

Foto: cortesia

Carol Couto chegou à mórula em 2015 com um livro precioso nas mãos. Não tivemos dúvida que queríamos muito que ele saísse pela mórula, afinal nada mais relacionado conosco do que um livro sobre carnaval. Mas a edição demorou e apenas agora o livro foi lançado.

Paciente, carnavalesca, pesquisadora cuidadosa e autora do nosso 25º livro, “O samba serpenteia com o Escravos da Mauá”, Carol é nosso ser complexo nº 22 e conta tudo sobre samba, carnaval e cabrochas. “Vem, vem, vem quem gosta de sambar”…

_O que é uma cabrocha? Você é uma delas?

Difícil responder sobre “a” cabrocha, aquela mítica que habita nosso imaginário do samba, cujas qualidades são tantas e tão fugidias que parece de fato não ter existido nenhuma mulher que se encaixe nesse ideal. Se formos nos ater à definição clássica, cabrocha é uma mulata jovem. Mas no samba não é só isso. Acho que foi o olhar de desejo masculino nesse contexto dos sambas do passado que constrói essa cabrocha ideal e que vai aparecer nas letras de música: a que tem a pele mais viçosa e feitiço no olhar, que tem mais ginga nas pernas e rebolado nos quadris, a mais faceira e voluptuosa.

Dessa cabrocha só conhecemos o que dizem sobre ela, pois não possui voz própria. Então, ao invés de tentar enquadrar a realidade feminina nessa máscara morta “cabrocha”, como diz Giovanna Deltry sobre o malandro, vale mais a pena observar o processo da ação: o “cabrochismo”, assim como a malandragem, ao invés do rótulo do malandro. Acho interessante como o Escravos da Mauá, mesmo sem querer, promove esse deslocamento pelo “cabrochismo”, com as mulheres liderando a roda na voz e no cavaquinho e fazendo de suas frequentadoras amantes de samba as “cabrochas da Mauá”: principais homenageadas no samba pela resistência, força e alegria. O corpo da mulher como mero objeto do desejo masculino se desloca. Não que não haja uma vontade genuína entre elas de estar atraente e de dançar bonito, mas me parece ser muito mais de satisfação para consigo mesma, algo que só depois do feminismo poderia se solidificar dessa maneira. A mulher não como coadjuvante, mas protagonista.

Nesse sentido, me considero sim uma cabrocha da Mauá, pois tenho devoção pela batucada ao mesmo tempo em que, como mulher, questiono meu lugar na roda de samba e no mundo.

UM LIVRO

“– E até quando acredita o senhor que podemos continuar nesse ir e vir do caralho? – perguntou.

Florentino Ariza tinha a resposta preparada havia cinquenta e três anos, sete meses e onze dias com as respectivas noites.

– Toda a vida – disse.”

O Amor nos Tempos do Cólera
Gabriel García Márquez
Tradução de Antonio Callado
Editora Record, 1985

_O que é a Zona Portuária para você?

É meu lugar de moradia e de trabalho. Aqui conheci pessoas muito especiais, que farão parte da minha história para sempre. Nunca me senti tão parte de um bairro como me sinto aqui na Saúde. E olha que já vivi em muitos bairros. Não deixa de ser curioso um local que precisava de “revitalização” – faltava vida? – ser, para mim, aquele que melhor me acolheu. Pesquisar samba e carnaval me trouxe amizades lindas, me aproximou de pessoas incríveis, que lutam diariamente por reconhecimento e valorização das histórias dos bairros portuários e sim, pelo reconhecimento de suas próprias histórias e lutas. Aqui se experimenta diariamente o cosmopolitismo provinciano do porto, que reúne fluxos de pessoas estrangeiras com os hábitos antigos de moradores por vezes nem tão antigos assim. É aí que mora a beleza: o camarada do copo, quando menos se espera, é exatamente com quem você pode contar. Para além das fofocas e intrigas – incontornáveis em uma atmosfera provinciana – ainda tem muita coisa bonita e muita superação na base da amizade e do carinho. É a coisa humana exposta ali, em suas delícias e fraquezas. Amo isso aqui.

_Qual o seu samba preferido do Escravos da Mauá? Por quê?

Sacanagem ter que escolher um! Não é porque pesquisei sobre o bloco não, mas acho que são muitas composições bonitas. Mas vou agora do samba que dá nome ao meu livro “Cidadania na Praça Mauá”, do carnaval de 1994. A estrofe que me inspirei é a primeira: “Vem, vem, vem, no nosso bloco / Vem, vem, vem quem gosta de sambar / Hoje vai ter maré cheia / E o samba serpenteia / Pelas ruas da Mauá”. Mas a parte em que me empolgo mesmo é o refrão que é mais aguerrido: “Mas deixa, deixa estar / Que chega a hora da virada, vai virar / Bicho-papão cai do cavalo, cai no mar / E a gente canta pra lembrar”. Escolho esse samba porque me lembra o “primeiramente, fora Temer”, que atualmente não tem saído da boca do povo e que em tempos de olimpíadas e tradução simultânea no Google translate a gente manda no inglês também: first of all, get out afraid (risos). Espero poder escolher outro samba da próxima vez, quem sabe.

_Nós demoramos bastante pra editar o seu livro. Onde você encontrou paciência? Pratica alguma terapia para isso?

Eu sou muito ansiosa, como acredito ser a maioria das pessoas por aí, fora os yogis mais avançados, em total desapego à matéria e ao resultado da ação. Eu tento aprender com eles a meditar, procuro meditar todo dia. Mas é difícil, tem dias que os macaquinhos da cabeça ficam descontrolados e parece que não consigo relaxar de jeito nenhum. Nessa hora vou pro bar mais próximo mesmo, dar uma desacelerada com a cerveja e com uma conversa fiada com alguém querido. A cerveja ajuda a diminuir provisoriamente a ansiedade, por isso é tão bom! Faço terapia também há muitos anos, mas sempre me sinto impelida a trocar de terapeuta quando inevitavelmente chegamos a conclusão que devo pegar leve com a cerveja!  Aí volta a terapia a ser no bar. (risos)

Eu sofri muito com esse livro, nossa, se houver carma nesse mundo mesmo purifiquei muita coisa minha com vocês! Acendi foi é vela pros meus santos no meu altar de casa, mas depois que estava tudo mais ou menos acertado, aceitei o tempo de produção e tive certeza que o melhor viria. Vocês são muito exigentes, o que só ressalta a primazia com que trabalham. No final, depois de sofrer com a ansiedade, com as ressacas e com as dezenas de fios brancos que surgiram a mais na minha cabeça, acabou sendo tudo ótimo, me senti uma rainha na Mórula com o baita suporte que deram no lançamento.

_Conte-nos sobre um carnaval inesquecível.

Aí também é sacanagem! Um só? Difícil. Mas acho que 2015 juntou muita coisa das quais me orgulho em ter feito e participado. Amei me desafiar a sair de Dercy Gonçalves, levei pra rua e pra vida essa mulher.  Ela está ainda comigo e me grita um “foda-se essa porra” bem alto quando estou me deixando abater por algo pequeno ou irrelevante demais. A barricada do carnaval do cordão Prata Preta, relembrando a revolta da vacina foi bem marcante também! Os historiadores do bloco, fissurados com os detalhes, queriam colocar a barricada exatamente no mesmo local e encontraram roupas semelhantes às da época, que vestimos prontamente. Ajudei a empilhar os sacos de batata para proteção dos brincantes “revoltosos” e a posicionar um belo canhão de confetes em nossa barricada. Igual criança, queria porque queria ser a primeira a acionar o canhão em cima da massa que alegremente vinha terminando o cortejo e que nem imaginava o que iria encontrar ali na esquina da praça da Harmonia. Que dia! Foi em 2015 também em que toquei pela primeira vez no meu querido bloco Comuna Que Pariu, cantando o maravilhoso e emocionante samba “Lugar de mulher é onde ela quiser”! As composições do Comuna são de alto nível, além de contar com uma condução exigente do mestre Buchecha! Que venham mais carnavais!

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PTSC #21

Foto: Leo Aversa - Crédito obrigatório.
Foto: Leo Aversa

Marcelo Moutinho é carioca de Madureira, Império Serrano e Tricolor. Essas são três informações fundamentais sobre o escritor e que aparecem nos primeiros 15 minutos de papo com ele. Jornalista, que ainda exerce a profissão, é autor de diversos livros de contos, crônicas e infantis. Em 2015, publicou a antologia de crônicas “Na dobra do dia” (Rocco) e organizou para a Mórula “O meu lugar”, em parceria com Luiz Antonio Simas.

Não é difícil perceber a presença daquelas características na obra de Moutinho. Em seus contos e crônicas um certo Rio de Janeiro suburbano, que pega ônibus, vai ao boteco e anda de havaianas é muito presente. Como ele explica abaixo, busca “gente comum” para sua literatura. Talvez por isso seja fácil encontrá-lo pelas ruas da cidade. Nem precisa seguir no Facebook. É só aparecer nas rodas de samba do Bip Bip ou do Zé Luiz do Império em Oswaldo Cruz, nos ensaios de rua do Império Serrano, no balcão da livraria Folha Seca ou no Bar Brasil. É o tal “viço do cotidiano” que o escritor tanto persegue.

Para a estreia do novo site da mórula, nada melhor do que um papo longo, sobre literatura, política, samba e futebol – tudo que nos interessa. Fiquem à vontade, a cerveja é sempre gelada. É só se acomodar no balcão e curtir nosso ser complexo #21. Com vocês, Marcelo Moutinho:

 

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PTSC#20 :: Chiquinha

Chiquinha – ou Fabiane – por Marcelo de Holanda

Chiquinha, Fabiane Langona ou a @Elefoa, acreditem, é a mesma pessoa. São seres que “coabitam”, como explica a “dona” desse múltiplo perfil. Cartunista, ilustradora e quadrinista, Chiquinha (vamos optar apenas por uma denominação) publica seus cartuns semanalmente na Ilustrada, da Folha de S. Paulo, e no portal UOL Notícias. Atualmente mora no Rio de Janeiro, saindo de Porto Alegre pra “pagar um aluguel caro” pelas bandas cariocas. Agora em dezembro lança seu segundo livro, “Algumas Mulheres do Mundo”, pela Mórula Editorial, que reúne cartuns e quadrinhos publicados nos últimos anos, a maioria deles no Canal Viver Bem do UOL Mulher e também em sua página, a Chiqsland. Na sequência, nosso ser complexo da vez – Chiquinha ou Fabiane? – responde a nossas perguntas triviais:

1_Por que Fabiane Langona virou Chiquinha?
Bom, a Fabiane na verdade nunca virou Chiquinha. As duas formas nominais coabitam meu ser sem grandes problemáticas. Apesar de que penso em abandonar a Chiquinha. Talvez assinar Fabiane + Sobrenome como a maioria dos autores. Afinal, Chiquinha abandonou Fabiane certa vez. Nada mais justo (papo levemente esquizofrênico, haha).

Mixórdias à parte, a verdade é que amava muito cartunistas gênios que assinavam com um nome só: Jaguar, Fortuna, Sempé. Casando-se a isso, na minha ganguezinha juvenil todos tinham apelidos esquisitos. Peguei o meu e usei de forma que camuflasse socialmente minha produção “desenhal”. Além de que não considerava sonoro cartunísticamente F-A-B-I-A-N-E, além de que todos meus sobrenomes soam sisudos e masculinozões demais.

2_Uma pergunta que todos fazem pra cartunistas. Seus cartuns são autobiográficos?
Em parte. É o meu olhar sobre as coisas. Portanto, tem quase tudo de mim. Não declaradamente, mas em essência.

UM LIVRO

Pensamentos negros ferviam-me na alma: ‘todas as pessoas são estranhas umas às outras, apesar das palavras e sorrisos carinhosos, e sobre a terra em geral, todos são estranhos; parece que ninguém está ligado a ela pelo sentimento robusto do amor (…)’. Às vezes estes pensamentos e outros semelhantes condensavam-se numa nuvem escura. Viver tornava-se penoso, abafado, mas como viver de outra maneira, pra onde ir?

Eu não gostava, tinha asco até, de desgraças, doenças, queixas; quando via algo cruel, como sangue, pancadas, mesmo uma zombaria oral contra uma pessoa, isto me suscitava uma repugnância orgânica; ela transformava-se rapidamente em certo furor frio, e eu lutava como uma fera, depois do que ficava envergonhado até a dor.

Duas pessoas viviam dentro de mim: uma delas, tendo conhecido demasiada imundície e ignomínia, assustara-se um tanto com isto, e acabrunhada com o conhecimento das coisas terríveis de cada dia, passava a tratar com desconfiança, com suspeita, a vida, os homens, com uma piedade impotente em relação a tudo, inclusive a si mesmo.

Ganhando meu pão
Máximo Gorki
Clube do Livro
1949

3_Por que “Algumas mulheres do mundo” é o título do seu novo livro?
O titulo é uma espécie de homenagem ao filme “Todas as Mulheres do Mundo”, dirigido pelo Domingos Oliveira em 1967. Aquela abertura com o Flavio Migliaccio falando que “amor não dá pé” sempre me pegou muito. Assim como a imagem da Leila Diniz, que pra mim é um grande exemplo de transgressão sem discurso. Transgressão na atitude (entendi bem quando li uma entrevista dela n’O Pasquim). Adoro o filme e o que ele representa em se tratando da quebra de tabus românticos e sociais num período tão icônico. Da dúvida entre ser independente ou não. De ser romântico ou não. As memórias do filme ficaram mais fortes ainda agora que estou morando no Rio. “Todas as Mulheres do Mundo” me devolve a sensação de falta, a falta de um Rio de Janeiro não vivido por mim e que ainda tento romantizar. De uma época em que se reivindicava o direito ao prazer numa cidade bem mais idílica. O filme em si não promove uma ruptura clara com certos cânones de gênero extremamente arraigados, mas gosto muito do que ele insinua nesse sentido.
Troquei o “todas”, por “algumas” pra redefinir o significado, tornar mais abrangente sem generalizar.

4_ O que uma gaúcha está fazendo no Rio de Janeiro?
Pegando um bronzeado. Pagando um aluguel caro. E comendo arroish de brocolish, obviamente <3

5_Como é ser uma das poucas mulheres nesse bando de homens cartunistas?
Acabei de ver um video onde o Neil deGrasse Tyson estava dando uma palestra e perguntam a ele por que têm poucas mulheres na ciência. Ele responde que nunca foi mulher, mas que é negro. E que a sociedade o encorajava a ser um jogador de basquete, mas nunca um cientista. Acho que o mesmo raciocínio cabe aqui. Naturalmente numa sociedade dominada e regida por homens brancos o espaço e a liberdade dados às mulheres sempre foi menor e mal distribuído. Nunca ouvi uma mulher ser encorajada a fazer quadrinhos de humor. Cartunista é do mal, ferino, ataca, cutuca feridas. Não parece uma profissão adequada a seres tão delicados e polidos.

Acho que é pela extinção desse enraizamento cultural, onde cada um é desviado ao que vos cabe teoricamente que precisamos ir contra. Acredito estar aí o cerne de qualquer mérito que queiram me atribuir: apenas segui adiante com o que queria fazer. No faço questão de me encaixar em expectativas sociais ou papéis que enquadrem as mulheres em deveres. Seja no sentido padrão de realização doméstico-afetivo, seja no sentido obrigatório de se produzir arte discursivamente engajada, retilínea. Sempre procurei algum tipo de espelho em se tratando de humor, no que de mais grotesco e ridículo eu conseguiria enxergar e transpor. Usar a minha vivência como mulher pra justamente trespassar a clássica e vilipendiosa representação humorística que fizeram de nós desde os primórdios. Focar em questões reais: reais na minha experiência de mulher comum. No mais, nunca me senti hostilizada pelos colegas homens. Quando comecei havia um estranhamento muito grande, isso sim. Mas agora o foco também está na produção das mulheres. Felizmente muita coisa mudou em pouco tempo. O mercado de quadrinhos é difícil para todos.

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PTSC #19 :: Agustín Arosteguy

Agustín em um dos momentos de “ócio”. Foto: Caio Gonçalves Dias

Lançando a tradução de seu livro no Brasil, o argentino Agustín Arosteguy, além de escritor, é produtor cultural e mestre em Gestão de projetos de ócio. Isso mesmo, de ócio! O que sempre gera brincadeiras sobre esse “trabalho”. Depois de mais de dois anos na Europa resolveu – ou resolveram pra ele – vir para o Brasil, onde se casou com a carioca que conheceu na Espanha. Mas mesmo há pouco tempo no Brasil, não estranhem se o ouvirem dizer “caraca mané” ou “show de bola”. Parece que ele já está ambientado em nosso país, atualmente morando em Belo Horizonte. Seu livro Carne de Canhão, que será lançado dia 30 de julho, retrata a vida do jovem Miguel, nascido na pequena cidade de Balcarce e alçado à fama na capital Buenos Aires.

Com vocês, Agustín Arosteguy, o ser complexo #19:

1_Como veio parar no Brasil?
Eu estava morando na Europa, e foi aí que conheci a uma mulher que mudou minha vida – e que coincidentemente é brasileira. Paralelamente, depois de morar na Espanha por dois anos e meio, tinha a vontade de voltar para a América Latina, mas não queria voltar para Argentina. O Brasil sempre foi um país que me chamou a atenção por sua diversidade cultural e a linha de pesquisa que eu queria desenvolver, casava muito bem. Nesse momento sentia que para avançar nos meus estudos era importante vivenciar a América Latina.

2_No seu livro “Carne de canhão” você brinca muito com anacronismos. De onde vem essa ideia?
Para mim os ditos populares possuem uma magia, uma beleza singular, maior ainda que a poesia. Ou talvez seja uma forma de poesia falada, como acontece com a literatura de cordel. Eu nasci numa cidade pequena, onde os ditos populares fazem parte da vida cotidiana e cada família ou grupo social tem seus próprios ditos que os caracterizam e pelos quais você até pode identificá-los. Então, meu avô usava muito os ditos, falava sempre usando um ou vários. E o curioso é que você tem de todo tipo: engraçados, para sacanear, para debochar, para implicar etc. E esta é minha percepção, os ditos populares têm muito de anacronismos, possuem uma relação muito próxima com o anacrônico, com o passado, com a tradição e o folclórico de cada povo e de cada país. E foi daí, das lembranças e o carinho que sempre tive por meu avô, que eu quis fazer uma espécie de homenagem.

UM LIVRO

“Usted que ha caminado lo sabe. Casas, más casas, rostros distintos y corazones iguales. La humanidad ha perdido sus fiestas y sus alegrías. ¡Tan infelices son los hombres que hasta a Dios lo han perdido! Y un motor de 300 caballos sólo consigue distraerlos cuando lo pilotea un loco que se puede hacer pedazos en una cuneta. El hombre es una bestia triste a quien sólo los prodigios conseguirán emocionar. O las carnicerías. Pues bien, nosotros con nuestra sociedad le daremos prodigios, pestes de cólera asiático, mitos, descubrimientos de yacimientos de oro o minas de diamantes.”

Los siete locos
Editorial Latina
1929

3_Sabemos que você se casou no Samba do Trabalhador, no Clube Renascença, aqui no Rio de Janeiro. Que carioquices você pretende levar ao longo da vida?
Uff, essa é uma pergunta difícil, hein! Que carioquices eu pretendo levar… Tendo conhecido a saideira morando no Rio, podemos considerar isso uma carioquice? Posso citar também o hábito de beber cerveja como uma carioquice adquirida que vou levar pra minha vida. Antes de morar no Rio minha primeira opção era sempre o vinho. Além disso, as expressões como: “caraca Mané”, “show de bola”, “posso matar?”, são carioquices totalmente incorporadas a meu vocabulário. Por último, a malemolência do samba é uma carioquice que adoraria adquirir pra minha vida.

4_Você é mestre em Gestão de projetos do ócio. Como assim, ócio?
Parece brincadeira, né? A palavra ócio não tem exatamente o mesmo significado em espanhol e português. Muitas vezes em português a palavra ócio é utilizada com conotação de ausência de ocupação, falta de trabalho ou ociosidade. Talvez por isso, as zuações quando conto que estudo ócio. No entanto, meu foco de estudo se traduz melhor ao português como lazer, entendido como experiência ou vivência que permite ao ser humano se conectar com ele mesmo e se autoconhecer e reconhecer como ser único.

5_Como é ser um argentino morando no Brasil, com sua seleção na final da Copa do Mundo aqui – e tendo seu time derrotado na final?
Morando aqui percebi que o brasileiro gosta muito de fazer brincadeiras em torno do futebol. Eu não me considero uma pessoa que goste de futebol, nunca me interessei por este esporte, nem para assistir e nem para jogar. No entanto, a Copa no Brasil me trouxe varias reflexões em função das manifestações e remoções, mas apesar de tudo isso eu me vi assistindo a partir das quartas de final como se fosse um torcedor fanático. O esporte tem a capacidade de aflorar o sentimento patriótico e teria sido maravilhoso se a Argentina tivesse ganhado. Ainda não foi dessa vez, e mesmo não entendendo muito de futebol, achei que a minha seleção mandou muito bem.

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PTSC #18 :: Mitie Taketani

Idealizadora da primeira loja de quadrinhos na região Sul do país, a Itiban Comic Shop, Mitie Taketani é o ser complexo da vez no blog da mórula. A loja em Curitiba completa 25 anos em 2014 e é um espaço que busca trazer os quadrinistas para perto do público, com diversos eventos de lançamentos e de debates com autores. Como Mitie explica, a ideia da Itiban era unir trabalho com prazer, o que parece ter tido sucesso. Com vocês, Mitie, respondendo às nossas perguntas triviais.

1_A Itiban comemora 25 anos em 2014. Como surgiu a ideia da livraria? E por que em Curitiba, já que você é de São Paulo?
Eu conheci o Xico, meu marido e sócio, em São Paulo. Descobrimos que tínhamos dois amores em comum: a música e os quadrinhos. Ele, por ter morado na spanha,Argentina e Uruguai, já trazia muita informação desses grandes mercados. Eu lia o que chegava nas livrarias. Não tinha paciência para formatinhos…

Primeiro viemos para Curitiba e depois veio a ideia de abrir a Itiban. Resolvemos vir pra cá porque fazia muito tempo que o Xico estava longe da sua família e a cidade, bem menor que São Paulo, poderia ser uma boa opção para começarmos uma vida a dois. Chegamos aqui e ficamos um tempo nos virando, ele tocando em algumas bandas e eu me virando trabalhando em lojas, escritórios…

Pensamos em abrir a loja para ter uma vida mais segura e ao mesmo tempo trabalhar com algo que nos desse prazer.

2_O nome Itiban tem algum significado?
Todo mundo que já fez judô aprende a cair e a contar em japonês: iti, ni, san, shi… Bem, Itiban quer dizer “primeiro”. Sim, foi a primeira comic shop do Sul do país. Também aprendemos a levar alguns tombos…

3_Um momento inesquecível na Itiban…
Isso é super difícil. Nesses 25 anos conhecemos tanta gente legal! Acho sempre especial os eventos que fazemos na loja. Poder trazer os quadrinistas, ouvi-los e aproximá-los dos seus leitores, isso realmente é muito especial. Lembro a primeira vez que o Lourenço Mutarelli veio pra cá. Fui buscá-lo na rodoviária e ele não descia do ônibus… fiquei preocupada e quando fui subir no ônibus ele desceu. Muito silencioso ele me entregou um pequeno gibi. Era o Réquiem (Minitonto). Deixei ele no hotel e fui pra casa. Chegando em casa já comecei a ler meu pequeno presente. Sofri com a leitura, chorei (Meu pai sempre me ensinou a me colocar no lugar do outro). Quando fui buscá-lo no hotel para irmos para o evento na loja eu bati nele (tenho/tinha a mania de bater nos outros…era um tapinha com a mão esquerda). Falei que tinha lido e que ele fez meu dia começar com tristeza… Ele riu e ficamos amigos.

4_Qual é o melhor som pra ouvir lendo um bom quadrinho? Ou uma coisa não se deve misturar com a outra?
Gosto do silêncio para ler. Ler é tão solitário, então cada um que seja responsável pela sua própria solidão e escolha como preencher, ou não, esse momento.

5_Assim como Allan Sieber, também queremos saber: quando vocês vão abrir uma filial no Rio de Janeiro?
Hahaha. Amaria ter uma “Niban” perto da praia. Se o Allan Sieber quiser ser meu sócio… e ficar na Niban e eu na praia pegando onda…


 

UM LIVRO

Nos quadrinhos, algumas vezes, a imagem expressa muito mais que milhões de palavras. Nestas duas páginas posso ver um Diomedes gordo, imenso, cair. Mas antes da queda, a dança, muito bem coreografada (pág. 298-299).

Diomedes
Lourenço Mutarelli
Cia. das Letras, 2012.

 

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PTSC #17 :: Gabriel da Muda

Se você gosta de samba, é muito provável que já tenha acompanhado uma roda com a presença dele. E não importa se você é do Rio ou não. Uma das rodas onde o sambista Gabriel Cavalcante marca presença semanalmente, o Samba do Trabalhador, já entrou para o roteiro obrigatório da cidade e já leva milhares de turistas à Zona Norte.

Gabriel é sambista, flamenguista e tijucano. O bairro onde nasceu, cresceu e vive até hoje, ele carrega no nome: Gabriel da Muda, como é mais conhecido. O samba é fundamento e paixão, características fáceis de notar nas rodas onde toca. Atualmente, além do Samba do Trabalhador, ele faz parte do Samba do Ouvidor, movimento que leva milhares de pessoas ao centro do Rio de Janeiro para uma roda na rua e gratuita. Do Flamengo, preferimos não comentar.

O papo que tivemos com Gabriel não podia fugir desses temas. Da Tijuca ao samba, procuramos saber um pouco mais da tradição e fundamento que pautam o trabalho deste carioca talentoso. E como não podia deixar de ser, aproveitamos para pegar umas dicas sobre bares imperdíveis na cidade. O músico deu boas indicações e ainda alfinetou os conservadores: sambista não tem que morrer descalço no balcão tomando cachaça 51. Pode muito bem curtir um risoto acompanhado de um drink de vez em quando.

Abre uma cerveja, solta uma música e confere aí nosso ser complexo da vez:

_Já vimos mais de uma entrevista sua na qual você fala com orgulho que “canta sambas que o público não conhece”. Quem vai ao Samba do Ouvidor sabe bem disso. Como você escolhe seu repertório?

Costumo seguir minha intuição. Sou um cara observador. Procuro tentar sentir o que seria bom para as pessoas ao redor das rodas em que canto ouvirem. Às vezes dá certo, e quando não dá, tenho que pensar numa próxima que dê. Gosto muito desse desafio. O orgulho que tenho é justamente de poder apresentar algo a quem não teve a oportunidade de conhecer como eu tive, mas sem a pretensão de ser o descobridor dos tesouros perdidos. Gosto de cantar samba bom e ponto. Independente de ser conhecido ou não, tem que ser bom.

_Você hoje integra dois sambas muito populares no Rio, o Ouvidor e o Trabalhador. Um é gratuito e na rua e o outro na Zona Norte com um preço muito acessível – bem diferente do que vem acontecendo com o resto da cidade. Por que esses espaços são importantes? Qual o significado de uma roda de samba para você?
O samba é uma das manifestações populares mais fortes e que mais resistem em nosso país. Passa ano, entra ano, lá está o samba: na novela, num canto de torcida, num botequim ou seja lá onde for. Não fossem os movimentos populares, me refiro às rodas, o samba provavelmente não teria resistido, pois se o tiramos de onde ele vem, do povo, ele morre.

Não sei se o Samba do Trabalhador ou o Samba da Ouvidor terão, futuramente, um lugar nas páginas dessa linda história, espero que sim, mas acho que estamos fazendo a nossa parte. Cantar na rua é o que me faz chegar perto do que considero plenitude.

_Pela sua trajetória dá para perceber que você se dedicou pouco (ou nada) ao que você chama de samba “entretenimento”. Qual a concepção que te guia na sua carreira de sambista?
O samba, de uns tempos pra cá, salvo raríssimas exceções, virou uma ferramenta de entretenimento. Sinceramente, não acho isso errado. Entreter faz parte da história. O que incomoda é a falta de compromisso com o que se faz. Quando se faz com amor e com o coração, quando se tem verdade e quando é feito com respeito, não me importo se a uma das finalidades for entreter também. O problema é entreter por entreter.

É óbvio que todos precisam sobreviver, mas ando um pouco cansado do que virou o samba para a noite carioca. Entretenimento e nada mais, com exceções sempre, claro. Sinto falta de comprometimento dos músicos, que muitas vezes prezam pela quantidade de lugares para tocar e esquecem da qualidade. Apresentar algo sem fundamento ao público é prejudicial.

As pessoas confundem radicalismo com sectarismo. Não é por aí. Meu radicalismo é seguir firme no que acredito, sem me preocupar se estou agradando ou não, se a música é inédita ou não, como já disse antes, tem que ser boa, e talvez esse seja o grande motivo do sucesso nas rodas que tenho a honra de participar.

O que me guia nisso tudo é a vontade de cantar samba, é o desejo incontrolável de oferecer horas de alegria e reflexão a quem me ouve. A música tem esse poder. Por tocar em dois grandes movimentos na cidade, me emociono quando vejo que alguém dedica uma hora do seu dia para me ver. Esse é, sem sombra de dúvidas, o maior presente que a música me dá.
_Quem te acompanha nas redes sociais sabe do seu gosto por comida e cerveja. Você poderia listar 3 lugares indispensáveis no Rio de Janeiro, onde certamente a gente te encontrará para uma cerveja?
Até a paixão pelo mundo gastronômico o samba me proporcionou. Lembro-me saindo de casa, há uns dez anos atrás, para comer pé de porco e pescoço de galinha com o Moa, pelos botequins mais imundos do Rio de Janeiro. Graças ao samba, tive a oportunidade de conhecer meu país, cantando em diversos lugares diferentes, com culturas diferentes e culinárias incríveis.

Difícil citar apenas três lugares, diante de tantos que vou, mas fico com o Bar do Momo, aquele que considero o do coração. E não é por ser em frente à minha casa. O Bar do Momo, de todos os pé sujos tradicionais que rodei, é o melhor. O outro é o Bar da Gema, que considero de cabeceira também. A 500 metros de casa, posso comer o melhor pernil e a melhor coxinha do Rio. Precisa mais? Por fim o Cachambeer, pérola do subúrbio carioca, costela que desmancha, chope imbatível e Marcelo Novaes, um gênio da boemia carioca.

UM DISCO

“Cego é aquele que vê somente o que enxergam seus olhos, passa por isso a viver.

Com vendas, bitolas, antúrios.

Cego é quem olha pro mundo e o mundo se põe como centro, sem enxergar um segundo o mundo do mundo de dentro.

Cego só vê a medida do que alcança a visão, não olha nunca pra vida com olho do coração.

Cego que só pede a vista, não fica nunca capaz, pois o que faz vir artista, passa enxergar muito mais…”

Mundo de Dentro
Dori Caymmi
Music State, 2010

Tirando os três, gosto de ressaltar que não sou desses que acha que sambista tem que morrer bebendo 51 na tendinha, de pé descalço, sem dente e cantando partido alto. Tem gente que acha que só é sambista quem segue a risca essa rotina, acredita?

Eu, por exemplo, gosto de beber um drink no Paris, anexo da imponente Casa Julieta de Serpa. Amo beber um chope, excelente por sinal, na varanda do Astor, vendo o sol se juntar ao Dois Irmãos. Sorvete é na Momo Gelateria, na Dias Ferreira, e não é por ser homônimo do meu bar do coração, é que realmente os sorvetes são incríveis. E por que não um pato ou um risoto no Bazzar, em Ipanema? Ou um chope no Adônis, em Benfica? Ou uma codorna no Feio, no fim da Dias da Cruz? Ou uma cerveja trincando no Bode Cheiroso?

_ A Tijuca basta?
A Tijuca é o melhor lugar para se viver. Foi aqui que aprendi o que é samba, foi aqui que bebi minha primeira cerveja, aqui estão os meus lugares favoritos da vida. A Tijuca é um bairro com alma, onde todos se conhecem, onde há solidariedade.

Por fim: o malandro que sai de casa domingo às 8 da manhã dizendo para a mulher e para as crianças que vai comprar o jornal. Direto ao bar, encontra os velhos amigos de balcão. Uma da tarde, almoço na mesa, crianças com fome e a mulher irada. Às duas, chega o sujeito, embriagado e sem o jornal. Ouve meia dúzia de desaforos da mulher, almoça, deita e pede para ser acordado na hora do jogo. Acorda duas horas depois do jogo, bebe uma água e: até segunda!

Isso é Tijuca!

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PTSC #16 :: Léo Lima

Foto: Aline Santos

Formado pela Escola de Fotógrafos Populares em 2009, Léo Lima hoje cursa pedagogia na UFRJ e realiza trabalhos autorais de fotografia, como “Os caçadores de pipas do Jacarezinho” e “Remoções no Rio de Janeiro”. Também ministra aulas de fotografia pinhole e fotografia digital, e acredita que a “prática educacional é tão importante quando o registro imagético de uma determinada situação”. A sua passagem pela Escola de Fotógrafos, ele aponta, foi decisiva para sua trajetória, porque conheceu pessoas “que de alguma forma me apresentaram uma possibilidade de fazer política sem precisar estar engravatado vivendo o gostoso ar gelado do ar condicionado”. Léo é também um dos idealizadores do projeto Favela em Foco, um coletivo multimídia que aborda questões relacionadas aos espaços populares. algumas das suas imagens podem ser vistas no seu Flickr.

Com vocês, Léo Lima, o ser complexo #16

_Passar a fotografar mudou sua percepção sobre a realidade?
Foi uma experiência necessária e importante para o meu caminhar. Que poderia ter sido numa escola pública, diga-se de passagem, mas não foi, e o mundo não é o ideal para o que eu penso, e vale salientar que a união de João Roberto Ripper, Imagens do Povo e Observatório de Favelas foi/é importante existir. Em 2009, ainda sem saber onde escoar minhas angústias da sociedade, foi na Escola de Fotógrafos que conheci pessoas incríveis que de alguma forma me levaram a outras pessoas incríveis e instituições sérias e não tão sérias assim. O ato de fotografar não me trouxe outra percepção, mas me mostrou um atalho para escoar meus anseios e desejos que tinha/tenho enquanto sociedade e favela. Acredito ter sido mais um fator das pessoas que de alguma forma me apresentaram uma possibilidade de fazer política sem precisar estar engravatado vivendo o gostoso ar gelado do ar condicionado. Foi fundamental conhecer João Roberto Ripper falando de fotografia e vida.

_ De quando você começou a fotografar até hoje, você vê o Jacarezinho de outra forma?
Não atribuo a uma mudança física, intelectual ou cultural. Mas acredito que meu horizonte se ampliou após esse fazer fotográfico com respeito ao lugar e ao outro. Antes mesmo de fotografar por aqui já conseguia olhar para essa favela tão linda, de maneira carinhosa. Com o fazer fotográfico consigo sem dúvida dar um grito sem abrir a boca, e desse grito ecoa um “Jacarezinho resiste!” bem alto. Porém é pouco e eu quero mais, portanto, penso que o próximo passo é a partir da educação, inserir a fotografia cada vez mais no cotidiano das pessoas, de modo que tragam elas não só para o cenário de espectador, mais principalmente no cenário de autor de suas próprias narrativas. Vem coisa boa aí, utópico e necessariamente realizável.

_Você é um dos idealizadores do projeto Favela em Foco, que tem a proposta de dar visibilidade às favelas e periferias com um olhar do morador. É possível dizer que a favela está fora de foco pelas mídias tradicionais?
Acredito que sim, existe muitas outras verdades estabelecidas e a serem descobertas nos espaços favelizados. Chega a ser injusto com os moradores das favelas a super marginalização que os veículos de comunicação corporativos, Rede Globo, Band, Record, SBT costumam fazer. Havia um boato de que com a entrada das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) nas favelas, o foco mudaria. Porém, o que se vê é praticamente a mesma coisa. As notícias que circulam nesses meios, tratam da violência policial, dos assassinatos – ressalto, importantes também de serem retratados – ou quando algo considerado positivo pelo senso comum da sociedade, o tratamento é pelo viés do pitoresco, do exótico, estereotipado. É um jornalismo muito abaixo do que os jornalistas querem ou podem fazer. A favela conta boa parte da história do Rio de Janeiro, com sua cultura, política, arte. Outros presentes vão chegar, estamos lutando por ele.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

UM LIVRO

“O termo latino communicare alude a um ‘pôr em comum’, que pode gerar relação. Mas sabemos que, entre as escolas e as famílias, nem sempre é fácil comunicar, estabelecer laços. Contudo, algumas situações vividas no dia-a-dia de uma escola reinventada provaram ser possível comunicar.”

Pequeno Dicionário das Utopias da Educação
José Pacheco
Wak, 2009

_Você sempre se envolveu com projetos de educação com viés para a fotografia. Qual a importância da educação no processo de formação dos jovens?
Educação é a parte do gráfico da pizza que muitos de nós não damos tanta importância, né? Eu gosto de falar sobre educação e acredito que a educação propriamente dita é feita por todas as pessoas, em todos os lugares. Independente de grau de escolaridade, todos educam. Nesse contexto, não podemos conceber a ideia de cidadania sem educação – e não falo de processos de escolarização como fomos acostumados a receber ao longo de nossas vidas. Portanto, vislumbro uma possibilidade cidadã em todos os aspectos da sociedade, logo, a importância está posta à mesa. A sociedade que penso em viver sem dúvida se configura como um lugar de pessoas exercendo o pleno direito à cidadania. Pra isso, a educação se torna indispensável em todos os níveis, logo, exercendo aspectos libertários, autônomos, de criticidade, de reflexão, de sensibilidade, de prática, de pesquisa, de solidariedade e principalmente amor. Não se faz educação sem amor. A arte está aí, porém tem muita gente “esperta” por aí que não quer sentir.

_O que os botafoguenses podem esperar do time em 2014, depois de 18 anos de volta à Libertadores?
Sem dúvida todos os botafoguenses desse mundão vão comemorar o inédito título da libertadores no Maracanã. Não tenho dúvidas, nunca tive. E se alguma coisa der errado, seja pela mudança dos astros, pelo balançar das marés, ou por alguma bandeirinha … Não nos preocuparemos. Pois a certeza que todos nós botafoguenses temos é de que nossa estrela jamais deixará de brilhar!

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PTSC #15 :: Marco Oliveira

Foto: Rafael Roncato

Autor do blog Overdose homeopática, Marco Oliveira lançou seu primeiro livro em 2013, homônimo ao blog, com uma coletânea de tiras publicadas em sua página, mas também com algumas inéditas. Apesar de tímido – pelo menos é o que ele diz –, suas tiras não são nada encabuladas. Mas explica: “O humor quase sempre vem da tragédia, da desgraça de alguém, da ofensa. (…) Vejo o humor negro, de escárnio, sujo e ácido, como o mais bonito de todos, mas só quando é natural”.

Como todo autor de quadrinhos que se preza, se diz preparado para passar fome fazendo quadrinhos no Brasil: “tanto que minha fome só tem aumentado, junto com minhas contas e credores. Fazer quadrinhos por aqui é justamente isso. Ou faz por amor ou não faz. Pela grana que não será”.

_Quais suas influências nos quadrinhos?
Deixando de lado aqueles de citação obrigatória (Laerte, Angeli e afins), sou influenciado o tempo todo por muita gente. Mesmo que eu não queira, sofro influência quando vejo algum trabalho que me agrada. Eu as incorporo sem nem perceber que fiz isso, percebo quando alguém comenta “o traço me lembra fulano; o humor remete a beltrano” e vejo que é mesmo verdade. E creio que com todo mundo é assim. Não somos plenamente conscientes para escolher o que vamos ou não acrescentar à nossa bagagem artística.

Mas falando do que me atrai e inevitavelmente me influencia: Fernando Gonsales, Adão, Zimbres, Dahmer, Galvão Bertazzi, O quarteto Xula: Coimbra, Maron, Calote e di Chico, Andrício de Souza, Rafael Sica, Salimena, Lafa, e mais uma pancada de nego foda.

_O que acha da discussão do politicamente correto no humor?
Acho que é uma discussão que não vai levar a lugar algum. Sempre vai ter alguém pra chorar em cima de alguma piada, mesmo que se comece a pegar mais leve. O humor quase sempre vem da tragédia, da desgraça de alguém, da ofensa. Nos meus quadrinhos não me preocupo com isso, só procuro ser honesto e passar para o leitor o que quero e tenho a dizer. Esse é meu termômetro. Não acho nada honesto usar aquilo que a sociedade em geral chama de politicamente incorreto como ferramenta para chamar atenção. Pra mim isso é apelação. Até porque, eu, como pessoa física e tímida, não gosto de chamar a atenção, ainda mais dessa maneira. Vejo o humor negro, de escárnio, sujo e ácido, como o mais bonito de todos, mas só quando é natural. Não adianta forçar a barra e apelar com palavrões e ofensas gratuitas. Se alguém faz uma piada sem graça eu não rio e se não gosto do artista simplesmente não acompanho seu trabalho. Enfim, o chororô é tão chato quanto as piadas forçadas. Que a liberdade seja a prioridade. Que sejamos livres para ofender ou tapar os ouvidos.

_No prefácio de seu livro Overdose Homeopática, Andre Dahmer diz que você tem todas as condições para morrer de fome fazendo quadrinhos no Brasil. Como é receber esse “elogio”?
Pra mim o Andre é o quadrinista/tirista mais competente do mercado brasileiro. É o cara que, mesmo tendo que criar num ritmo alucinante (duas tiras diárias, pelo que sei), não erra, não dá nem uma forçadinha na amizade. Toda nova publicação tem a costumaz (primeira vez que uso esta palavra) genialidade. É a mesma regularidade que vejo no Fernando Gonsales e no Galvão Bertazzi.

Receber esse elogio me fez mesmo acreditar que estou pronto pra passar fome fazendo quadrinhos no Brasil, tanto que minha fome só tem aumentado, junto com minhas contas e credores. Fazer quadrinhos por aqui é justamente isso. Ou faz por amor ou não faz. Pela grana que não será.

UM LIVRO

“Uma das maiores ‘Causa mortis’ de tímidos do mundo inteiro, a inanição, na verdade, é uma consequência da cerimônia alimentar, aquela inexplicável vergonha de aceitar a comida alheia. Na concepção do tímido, comer é um ato criminoso e vulgar.

– Aceita um macarrão?
– Não.
– Tem certeza de que não quer sorvete?
– Não.
– Menina, jura que você não está com fome?
– Não, não, não, não não… até desmaiar de fome.

Esse mesmo princípio pode ser aplicado à vergonha de pedir cobertor extra quando um tímido dorme na casa de um amigo. Acorda com os ossos doendo de tão gelados e ainda tem que fingir para a mãe do amigo que teve ‘uma noite muito agradável’.”

Manual de Sobrevivência dos Tímidos
Bruno Maron
Lote 42, 2013

_Você vai lançar um segundo livro em 2014 (Aos cuidados de Rafaela). O primeiro não foi o suficiente para perceber que nesse ritmo pode mesmo morrer de fome?
A gente acaba acostumando com as porradas e até gosta, tipo mulher de malandro, que gosta de apanhar e não cai fora. Esse segundo livro é bem diferente do primeiro, é uma graphic novel (soa importante isso: graphic novel), história longa com roteiro do Marcelo Saravá, grande artista e amigo. Um grande desafio para mim, que sempre trabalhei com ideias e histórias curtas. Tem sido bem difícil, mas muito bom. Sinto como se fosse um cabaço sendo estourado: tá difícil, mas continua que tá bom. O projeto foi contemplado no Proac, e ainda não sabemos se ele sairá por alguma editora ou como independente. Deve ficar pronto dentro de uns dois meses e vai ficar muito bom, pois temos tomado todo o cuidado do mundo pra não sair merda, tanto no roteiro quanto na parte gráfica. Além do segundo, já tenho o embrião de um terceiro (não falei que gosto de me dar mal?), e se trata do Mute, projeto que venho trabalhando há um bom tempo e, embora não tenha data, pretendo publicá-lo ainda este ano. Talvez eu tente um crowdfunding. Talvez não. Vamos ver o que se desenrola nos próximos meses.

_Você fala que não sabe como “aqueles caras” publicavam diariamente tiras no jornal. Então revele o segredo, como faz pra criar as suas?
O segredo é criar sua própria maneira e não seguir o caminho de ninguém. A criação é feita por um mecanismo da mente, uma faculdade que está desativada na maioria das pessoas, mas está lá. Todo mundo pode criar. Antes de dar o start, de começar a criar os quadrinhos, minha mente não estava alerta para criações, não estava programada para perceber as possibilidades, e isso mudou quando eu simplesmente comecei, passei a perceber as possibilidades nas situações cotidianas, como se eu passasse a ter uma antena própria para a captação das ideias que estão no ar, as ideias que qualquer um pode ter. Basicamente é isso, estando aberto às criações, uma ideia pode nascer de um comercial de tv, de um documentário, de uma situação qualquer, de um pornô com anões etc.. Não existe uma fórmula, nem segredo, e mesmo que houvesse um eu jamais divulgaria, já basta dividir com poucos a fome de agora.

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PTSC #13 :: Caroline Bordalo

Em mais uma semana de ruas lotadas nos atos em apoio aos professores do município e do estado do Rio de Janeiro, nossas perguntas triviais não podiam ser diferentes. O ser complexo da semana é Caroline Bordalo, professora da rede estadual. Ela está em greve, como tantos de seus colegas, e nessa entrevista explica as razões que a têm levado semanalmente para a rua.

Pedimos a Caroline, como de costume, a indicação de um livro. Ela optou por enviar dois filmes e uma frase que vem sendo reproduzida entre professores em greve no Chile, no México e aqui: “ser professor e não lutar é uma contradição pedagógica”.

Sem muita enrolação, vamos direto para a entrevista, Caroline tem muito para dizer. Com vocês nosso ser complexo #13:

_Por que você aderiu à greve dos professores?

Porque a única resposta a todo esse processo de destruição da educação pública é a greve. Simplesmente não há outro meio de reverter esse quadro que tem se agravado de forma ainda mais veloz no governo Sérgio Cabral. Para além de todo sucateamento amplamente conhecido pela sociedade, o nosso cotidiano é marcado pela pressão em cima de todos os trabalhadores da educação que são vistos como os principais responsáveis pela suposta baixa qualidade do ensino público, pelo autoritarismo da secretaria de educação, pela desqualificação do nosso trabalho e pela perda da nossa autonomia pedagógica que, ao fim e ao cabo, significa a total descaracterização de nossa profissão. E é importante pontuar que temos total consciência de que o que estamos enfrentando no Rio de Janeiro é a mesma realidade de todos os professores não apenas do nosso país e que estamos enfrentando um projeto privatista de educação que já devastou países como Chile e México. A nossa luta é uma só e essa greve de 2013 cumpre um importante papel quando expõe para toda a sociedade o que de fato está acontecendo na educação pública, quando denuncia que este modelo de educação não interessa aos trabalhadores e conecta o nosso movimento a outras iniciativas de resistência.

_Há quem defenda que a greve prejudica os alunos. Você concorda?

De forma alguma. Todos nós que aderimos à greve temos claro que o que prejudica o aluno é não lutarmos por uma educação que atenda aos nossos interesses. O argumento de quem defende que a greve prejudica o aluno está sempre baseado em enormes equívocos. Primeiro, porque tende a considerar que o professor está na greve por interesse próprio, por reajuste salarial pura e simplesmente e aí o aluno ficaria em segundo plano. Segundo, porque não são curtos períodos de greve (considerando toda a vida escolar) que trazem danos ao processo de ensino-aprendizagem. É evidente que a questão salarial é fundamental. É fundamental para todos os trabalhadores, não é verdade? Logo, ela sempre será uma reivindicação justa. O que é preciso que se perceba é que a nossa luta é maior e essa questão se articula a outras reivindicações político-pedagógicas. Em resumo,o que prejudica os alunos é essa política educacional precária que os expulsa da escola (os índices de evasão escolar são assustadores) e que faz com outros tantos concluam o ensino médio com muitas deficiências.

_Você é professora de sociologia da rede estadual. Que alegrias isso te dá e que dificuldades há no caminho?

Bom, a Sociologia é uma ilustre desconhecida dos alunos quando eles chegam no ensino médio e temos uma enorme dificuldade em fazê-la mais presente nas suas vidas porque o Estado nos nega isso. Assim como a Filosofia, temos cinquenta minutos semanais nos dois primeiros anos e apenas no terceiro temos 100 minutos (dois tempos de aula). O que é uma verdadeira aberração pedagógica. As dificuldades são enormes e, inclusive, uma das nossas reivindicações nesta greve é que não exista nenhuma disciplina com menos de 1 tempo de aula. Por outro lado, e mesmo com tantos limites, eu sou encantada com as possibilidades que temos nas mãos. A Sociologia apresenta aos alunos instrumentos para que questionem aquilo que lhes é apresentado como imutável, os alerta para a permanente mudança social e para o nosso papel nesse processo. Mas, no atual contexto, eu acho que a Sociologia muitas vezes aparece também como uma aula diferente, que instiga o debate de ideias e estimula os alunos a se colocarem no meio da discussão, a trazerem para a escola as suas experiências. Mesmo com tantas dificuldades, ainda temos muitas possibilidades. Mas isso exige posicionamento diante dessa política do governo, exige que se olhe para os alunos de forma menos idealizada e se repense esse modelo de escola onde nem alunos nem professores têm mais lugar. Para o governo nós somos somente números, índices. A escola como está nos desumaniza.

DOIS FILMES


Pequeno grão de areia,
sobre a luta dos professores de Oaxaca,
no México.


A rebelião dos pinguins,
sobre o movimento dos estudantes secundaristas
no Chile.

_Sabemos que você é filha de professores. Como é ser filha de professor?

Meus pais são professores e desde muito cedo desenvolvi esse respeito em relação à profissão. Uma profunda admiração por quem tem como ofício compartilhar tudo aquilo que sabe, todo conhecimento acumulado, que dedica a sua vida a produzir mais conhecimento e a descobrir a melhor forma de fazê-lo. Por outro lado, eu sou fruto de um momento onde a profissão já estava numa veloz desvalorização e isso repercutiu nas minhas perspectivas profissionais. Não pensava em ser professora. Mas, uma vez em sala de aula, me apaixonei por aquilo. Vou contar uma história bem rápido, só para ilustrar mesmo. Meu pai sempre foi professor e enfrentou uma doença grave que o levou ao coma por três vezes. Entre um coma e outro ele corria para a sala de aula. Mesmo muito debilitado, magro demais, já com as sequelas da doença e de bengala, ele não se afastava da sua sala de aula. Durante uns bons anos eu me perguntava o porquê dele insistir em dar aulas mesmo tão fraco. Hoje eu entendo que aquilo era parte dele e que ele viveu um período onde se valorizava o seu trabalho. Existia dedicação mas também uma profunda identificação com o trabalho que se desenvolvia. Muito diferente do que temos hoje.

_O que é que o professor que está lutando está ensinando?

No Brasil temos longa história de lutas, de organização sindical, movimentos sociais. Mas ainda assim, a cada dia se trabalha muito na produção do esquecimento dessa rica história política. Temos muita gente empenhada em que essas experiências, quando muito, sejam percebidas de forma desconectada com os problemas que enfrentamos diariamente. Existe uma aposta muito grande na produção de esquecimento e do medo de se lutar por transformações mais profundas. Quando lutamos por melhores condições de trabalho, por uma outra educação e que para isso se faz necessário a greve, estamos todos convictos que qualquer conquista será fruto dessa luta. Não é nada fácil estar em greve porque é um momento de embate, de mais ameaças e retaliações. Para os alunos e para a sociedade com um todo, o que estamos ensinando é que ser omisso significa contribuir para o agravamento dessa situação que já nos parece insustentável, que só através da nossa luta teremos conquistas. Continuar trabalhando como se nada de grave estivesse acontecendo é oferecer de bandeja o silêncio tão necessário para que tudo continue como está. Seremos brutalmente reprimidos? Sem dúvida. A repressão dos últimos dias só evidencia ainda mais como é perigoso lutar pelos seus direitos ou qualquer tipo de mudança que beneficie a população. Desistiremos? Jamais! Se equivoca aquele que acha que a repressão destrói os laços que nos unem na luta.

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PTSC #12 :: Allan Sieber

Nascido em Porto Alegre, Allan Sieber passa boa parte do seu tempo – ou pelo menos passava, antes do nascimento de Max, seu primeiro filho – na Toscographics, um estúdio focado em animação adulta, no Rio de Janeiro. Além de diretor de animação, Sieber é autor de quadrinhos e cartunista. Suas tiras podem ser lidas diariamente na Folha de S. Paulo, e algumas seleções de seus materiais podem ser vistos em livros já publicados, como “Preto no Branco” (2004) e “É tudo mais ou menos verdade” (2010), entre outros. Seu próximo livro, “Perca amigos, pergunte-me como”, será lançado em outubro, pela Mórula Editorial. Atualmente está com a exposição Racionamento de Cores, até dia 24 de setembro, na La Cucaracha.

Um homem de métodos, como ele mesmo disse, Allan Sieber é nosso ser complexo #12:

_“Perca amigos, pergunte-me como” é o seu novo livro. Você não acha que é um título pouco comercial? Ou vender livros não é seu objetivo?
Que título seria um título comercial? “Veja aqui dentro fotos do meu rabo”? “Compre e fique rico”? “Poemas inócuos para ler depois do banho de cachoeira”? Claro que vender é meu objetivo, mas me resta ainda um pouco de dignidade e isso passa pelo título do livro.

UM LIVRO

“Com os olhos opacos, contemplou a parede de livros. Detestava a todos, tanto os velhos quanto os novos, tanto os intelectuais como os mais rasteiros, tanto os pretensiosos quanto os apenas engraçadinhos. A mera visão desses livros o fazia lembrar-se de sua própria esterilidade. Ali estava ele, supostamente um “escritor”, e nem era capaz de “escrever”! E não era simplesmente uma questão de não ser publicado; é que não produzia nada, ou quase nada. E toda aquela porcaria abarrotando as prateleiras – mas pelo menos era uma porcaria existente, o que não deixava de ser um tipo de realização.”

A Flor da Inglaterra
George Orwell
Cia. das Letras, 2007

_Ainda sobre seu novo livro, Xico Sá no prefácio diz que ele é “uma antologia de queixas-crime, ofensas, calúnias e difamações”. O que tem a dizer em sua defesa?
Xico é um gentleman e fez um texto que não mereço. Mas é fato, tem bastante reclamação e algumas ofensas. Mas essa juventude sensível de hoje em dia também se ofende com qualquer coisa, como bem sabe o sábio Xico.

_Você tem feito algumas tiras, quadrinhos e cartuns sobre a experiência de ser pai. Não acha que seu filho, quando ler essas coisas, pode ficar decepcionado com o pai?
Ora, ele vai ficar decepcionado comigo muito antes de aprender a ler. Provavelmente já não deve gostar muito do que vê aos 4 meses de idade.

_Na sua exposição “Racionamento de Cores”, você trabalha com azul, vermelho e amarelo. É estético ou economia de tinta mesmo?
É método. Só trabalho com método. Aliás, faço tudo com método: comer, foder, desenhar, escrever. Acho tedioso o caos.

_Como se faz pra perder amigos?
Eu não sei na verdade. Tenho pouquíssimos e nunca os perdi. Os que sumiram eu dei graças a Deus, porque eram pra sumir mesmo, eu não tenho muito saco para gente meia bomba. Mas parece que o pessoal hoje gosta muito de falar ao telefone e ser cumprimentado no aniversário. Todo mundo é Jesus Cristo é quer seu natal particular. Ah, sei lá. Meu melhor amigo continua sendo Leo, um cara que vejo atualmente duas vezes por ano. E ele não gosta de abraços.

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PTSC #11 :: Benett

Chargista, quadrinista, ilustrador, Benett desenha há algum tempo e sua principal plataforma, pelo menos quando começou, era a internet. Talvez por isso ele publique no Blog do Benett, no Benett Blog e no Charges do Benett, além de ter duas páginas na Gazeta do Povo, a de Charges e a Salmonelas. Isso sem contar suas contas no Flickr, Twitter e Facebook.

Polivalente, ainda publica diariamente suas tirinhas na versão impressa da Gazeta do Povo, de Curitiba, e charges políticas na Folha de S. Paulo. Recentemente ilustrou o livro “Um operário em férias”, de Cristovão Tezza, que assina a quarta capa de seu próximo livro, com lançamento marcado para dia 21 de agosto, em Curitiba. Seu segundo livro traz o personagem Amok, um ser um tanto quanto diferente. A obra – Amok – cabeça, tronco e membros – sai pela mórula editorial e tem o prefácio de Fernando Gonsales.

Com vocês, Benett, nosso ser complexo #11:

 

(…) trabalhava nas máquinas romanceadoras do Departamento de Ficção. Gostava de seu trabalho, que consistia basicamente em fazer funcionar e manter em bom estado um motor elétrico potente mas complexo. Era ‘ininteligente’, mas gostava de trabalhar com as mãos e ficava à vontade lidando com as máquinas. Era capaz de escrever todo o processo de composição de um romance desde a diretriz geral emitida pelo Comitê de Planejamento até os retoques finais realizados pelo Pelotão Reescritor. Mas não estava interessada no produto final. Não era ‘muito ligada em leitura’, disse. Os livros eram simplesmente um produto que precisava ser fabricado, como geleias ou cadarços.

 

1984
George Orwell
Cia. das Letras, 2009

_O Amok é uma criança que odeia todo mundo e quer matar os coleguinhas de classe. Qual o limite que você vê para fazer humor?
O meu limite é se acho relevante ou não. O Amok poderia muito bem ser uma espécie de Cyanide and Hapiness se eu desenhasse todas as piadas que o tema “amok” permite. Mas prefiro ter menos leitores e ser menos popular do que publicar tiras mais violentas e apelativas. Não porque eu ache isso imoral ou politicamente incorreto. Mas porque, dentro do que quero dizer, isso não tem relevância nenhuma. Não me interessa mostrar o Amok cortando os colegas de classe ao meio com uma serra-elétrica. Mas sim os motivos que o levariam a fazer isso.

_Você se diz um cara tímido. Você costuma desenhar coisas que tem vergonha de dizer/fazer?
Bem… eu sou tímido quando tenho de falar sobre mim e sobre meu trabalho, então, podemos dizer que sim, desenho o que tenho vergonha de dizer. Vergonha não é bem o termo. Quando converso com as pessoas o último assunto que vou achar estimulante sou eu mesmo, porque convivo comigo e, afinal, o que mais quero quando encontro alguém é saber algo interessante.

_A gente sabe que você foi pai recentemente. E se seu filho decidir ser cartunista?
Acho que isso é tão provável quanto uma criança dizer que quer ser datilógrafa ou fabricante de clepsidras.

_Como seria uma dedicatória do livro do Amok para o Woody Allen?
“Sei que você não vai gostar”.

_O que seria do Benett sem boné?
Isso deve ser perguntado para pessoas como o Stephen Hawking.

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PTSC #10 :: Simas

Foto: Edu Goldenberg
Foto: Edu Goldenberg

Adepto da filosofia do menos – “consuma menos, ganhe menos e trabalhe menos” –, Luiz Antonio Simas é carioca e Império Serrano. Também é professor de história e desenvolve pesquisas sobre a cultura popular. É autor do livro “Tantas páginas belas: histórias da Portela”, além de “O vidente míope” em parceria com o caricaturista Cássio Loredano e “Sambas de enredo”, em coautoria com Alberto Mussa. Defensor da anulação da privatização do Maracanã, é contra o tratamento mercadológico dado atualmente ao futebol e diz que a estrela solitária do seu Botafogo sempre brilhará, “nem que seja apenas como vaga projeção de incêndios, centelhas de vida, no meu peito apaixonado”.

Criado no Brasil “dos campos de futebol, mercados populares, terreiros de macumba e rodas de samba“, em setembro lança seu próximo livro, este pela mórula editorial. Novidades muito em breve.

Com vocês, Luiz Antonio Simas, nosso ser complexo #10:

_Você diz que a privatização do Maracanã marca a supremacia do mercado sobre a cultura. Como isso acontece e o que isso implica?
Acontece porque o futebol passa a ser tratado como um mero evento, legitimado apenas pelo valor de mercado que uma partida pode ter e mensurado pelas perspectivas de lucro que um jogo, um campeonato ou um jogador podem gerar. Isso implica na perda de uma dimensão cultural mais profunda do futebol, que no Brasil foi fundamental na construção de certa identidade nacional e da nossa invenção como povo. Além disso, cabe lembrar que o jogo foi um dos raros espaços de projeção social das populações negras e pobres.

UM LIVRO

Do meu amigo e parceiro de sambas e candomblés Alberto Mussa. O trecho é o da fala de Exu.“Eu sou andarilho antigo. Venho de andar muitas léguas. A terra é do meu tamanho. O mundo é da minha idade. Não há números para contar as proezas que fiz no tempo em que tenho andado: colhi mel de gafanhoto; mamei leite de donzela; esquentei sem ter fogueira; cozinhei sem ter panela; já fiz parto em mulher velha; emprenhei recém-nascida; trago a cura das moléstias e as perguntas respondidas. Quando soube do mal do vosso rei, vim oferecer os meus serviços. Só que tudo tem seu preço.”

Elegbara
Alberto Mussa
Editora Record, 2005

_Qual o problema de chamar estádio de arena, passe de assistência e jogador reserva de peça de reposição?
De cara temos um empobrecimento do vocabulário. O futebol no Brasil, como metáfora da invenção da nação, criou um dialeto próprio, inusitado, repleto de soluções instigantes e enriquecedoras da língua. Quando trocamos isso por expressões aparentemente neutras, mais adequadas ao universo das empresas, reduzimos o jogo – novamente – ao mero evento, simples entretenimento, pautado pela lógica enfadonha e impessoal do mercado.

_Há quem diga que já não existe diferença entre esquerda e direita. Você concorda?
Não concordo. As noções de esquerda e direita pautadas pelo imaginário do século XX, em especial pelas paixões da Guerra Fria, certamente ficaram obsoletas. Bobbio, entretanto, dizia que ser de esquerda é priorizar a luta pela igualdade, enquanto a direita em geral defende a ideia de que é natural, em qualquer sociedade, surgirem elites políticas, econômicas e sociais. Me afino mais, neste caso, com a esquerda. Defendo a igualdade em perspectivas mais amplas que as clássicas visões econômicas e sociais; destacando questões que vão do direito de cada um exercer a condição sexual que lhe apetece à dignificação de culturas alheias ao imaginário dominante judaico-cristão. Sou um libertário de esquerda, basicamente, vendo na igualdade o fundamento para o exercício livre das diferenças.

_Qual a principal contribuição da cultura sacro-africana na construção de uma sociedade mais justa, mais fraterna?
O respeito às diferenças e, sobretudo, a sacralização da natureza, que serve como contraditório a um projeto de desenvolvimento catastrófico, pautado pela lógica consumista do ocidente. Os cultos afro-ameríndios, ainda, contribuem para uma sociedade mais fraterna ao dignificar culturas e saberes historicamente desprezados, deslocando o foco de percepção do mundo para os povos dominados pelo complexo econômico-militar de países vistos, arrogantemente, como centrais.

_A estrela solitária ainda brilha?
Brilhará sempre, nem que seja apenas como vaga projeção de incêndios, centelhas de vida, no meu peito apaixonado.

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PTSC #9 :: Rafucko

Como nós somos exagerados e o raro leitor deste blog já sabe disso, não vemos nenhum problema em dizer que o PTSC da semana é com um dos melhores humoristas brasileiros da atualidade.

Não, gente, não entrevistamos o cara do Porta dos Fundos. Até porque ninguém mais suporta ler entrevista deles.

O entrevistado da semana é o Rafucko. Afinal, tem como não achar gênio o cara que faz isso aqui?

Ele é videomaker, humorista, apresentador, editor, roteirista e anda cheio de projetos. Faz sucesso com seus tutoriais de maquiagem e é figurinha carimbada nos protestos cariocas. Aliás, os protestos renderam bons vídeos que podem ser vistos no canal dele do YouTube.

Na entrevista, Rafucko enfrenta a polêmica do humor “politicamente incorreto” com classe e nos conta, com exclusividade, quem anda precisando de um bom pancake na cara.

Com vocês, Perguntas Triviais para Rafucko, o rei do chroma key.

_Seu humor tem uma pegada política. Por que? Não fica ideológico demais?

Sempre fiz humor com questões cotidianas. De uns tempos pra cá, a política tomou uma dimensão maior na minha vida e na de muita gente, acredito. Faço humor com o meu dia a dia – e, cá entre nós, na política tem um monte de piada pronta! Na verdade, eu acho a política melhor que novela, até. Imagine uma trama onde um governante perde sua amante em um acidente de helicóptero, outro governante homossexual enrustido mantém amantes em seu próprio gabinete, parlamentares anti-drogas financiados por traficantes… Tem tudo isso e muito mais! A política é tudo, menos chata.

O passado do Rafucko

_Há quem acredite numa polarização entre humor politicamente incorreto e politicamente correto. Existe mesmo essa polarização?

Existe uma diferenciação, sim, nos tipos de humor. Mas essa divisão que costumam fazer não é certa, não. Acho que “politicamente incorreto” é dizer aquilo que não se diz. Para ser “politicamente incorreto” não precisa necessariamente ser opressor. Fazer piada com a mulher submissa, o negro criminoso e o gay promíscuo é repetir o que já é dito, à exaustão. Entretanto, há quem ria dessas piadas e os humoristas justificam que “falarão o que for necessário para fazer rir”.

Danilo Gentilli fez uma piada sobre judeus e os empresários dessa religião ameaçaram tirar todo patrocínio ao seu novo talk-show. Nesse caso, e somente nesse caso, ele pediu desculpas. Com isso, fica claro que a maioria do humor atualmente dito “politicamente incorreto” é, na verdade, “opressor”, “repetitivo”, nada autêntico, e dificilmente poderia se encaixar na categoria de “humor”.

_Quando você começou a produzir os vídeos? De onde vem a ideia de fazer algo que deve tomar muito tempo, deve dar muito trabalho e (a gente tem quase certeza) não deve pagar suas contas?

Comecei durante a universidade, mas já tinha feito vídeos desde a época do colégio (infelizmente os VHS foram queimados na época da adolescência, quando bom-senso não fazia parte do meu vocabulário – vide foto acima).

Adoro essa pergunta, “de onde vem a ideia?”. É a pergunta que mais fazem. Às vezes, as ideias vêm da minha cabeça, outras vezes da minha barriga, de me olhar no espelho, de ficar calado assistindo pessoas conversando no almoço, de conversas ouvidas no ônibus, de palavras que eu ouço errado… Tudo que eu vivo vira piada depois de um tempo, porque… Sei lá, acho que simplesmente porque é mais legal assim.

UM LIVRO
Rafucko escolheu um quadrinho do livro
“O Pintinho”, da editora
Lote 42, 2013.

Dá muito trabalho e nenhum dinheiro, mas me traz outros trabalhos que, estes sim, dão dinheiro. Faço o que faço por necessidade, é a verdade da minha existência. Se eu não faço isso por dinheiro, não posso deixar que a falta dele me impeça de continuar. Como utopia não paga conta, aproveito o espaço para dizer que tô disponível pra freelas de edição de vídeo, roteiro, direção, atuação, modelagem, manequim, colagens, design, presença VIP em festas e protestos e, fora isso, eu tô com uns projetos aí…

_Uma questão de ordem: de onde vem esse “Barbacena” no seu e-mail, no seu canal do Youtube, na sua vida?

Apelido de criança. Rafaelito Barbacena e Rafucko foram meus únicos apelidos, mas nunca duraram muito tempo. Meu sonho era ter um apelido (nem “Rafa” pegava comigo).

_Quem anda precisando urgentemente de um tutorial de maquiagem do Rafucko?

Eu gostaria muito de fazer uma maquiagem no prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, que é um cara que me inspira muito. Passaria um pancake branco em todo o rosto, pintaria o nariz de vermelho, botaria uma peruca colorida, talvez umas cores em volta do olho e um sapato grandão, tamanho 53. O visual seria mais adequado para as suas falas, e ainda tem a coisa do “palhaço assassino”, que figura no imaginário popular, bem adequado às violações de direitos humanos praticadas pela prefeitura durante a sua gestão.

 

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