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O carnaval vai acontecer. Mas quem vai participar?

Por Bernardo Pilotto*

Ilustração de J. Carlos sobre o Carnaval de 1919 (Revista Careta de 08/03/1919)

Desde o começo da pandemia, uma pergunta tem pautado a cabeça dos amantes da folia: vai ter carnaval em 2021? Num primeiro momento, quando tudo parecia que ia durar poucos meses e que logo voltaríamos ao normal após um período de intenso isolamento social, havia uma expectativa de que tudo se resolveria. Mas, atualmente, diante de um isolamento social que foi apenas parcial e da volta ao trabalho de diversos setores econômicos, o que esperar de 2021?

Primeiramente, gostaria de abordar um tema que tem pairado no ar: o carnaval de 1919. Por ter acontecido logo após a pandemia de gripe espanhola de 1918, ele é sempre evocado para falar de como aquela pandemia foi superada. Desde que o coronavírus chegou com força ao Brasil, Folha de S. Paulo e O Globo fizeram reportagens sobre o tema e esse carnaval é sempre lembrado nas conversas dos foliões nos mais diversos lugares.

Nos relatos que existem, o carnaval de 1919 é sempre lembrado como um carnaval estupendo, marcado pelo primeiro desfile do Cordão da Bola Preta, pelo surgimento do Bloco do Eu Sozinho (não, não é o álbum do Los Hermanos) e dos primeiros blocos só de mulheres no comando.

Um dos relatos mais sistematizados desse carnaval é o livro “Metrópole à Beira-Mar: O Rio Moderno dos Anos 20”, de Ruy Castro. O início do livro é todo dedicado ao carnaval de 1919, que de certa forma já inaugurou a década que estava por vir.

Naquela ocasião, tivemos cerca de 600.000 pessoas (ou 50% da população) infectadas no Rio de Janeiro. Desses, em torno de 15.000 morreram, de setembro a novembro de 1918. A cidade passou por cenas terríveis, como a ausência de madeira para caixões, corpos sendo deixados pelas famílias como se deixa o lixo na rua e a falta de espaço em cemitérios.

O carnaval de 1919 veio então em clima de revanche e desforra. Mas ele não deve ser romantizado, visto que muitos foram participar da festa nas ruas achando que essa seria a última de suas vidas.

Voltando aos dias atuais…

É preciso reconhecer que o carnaval de 2021 já foi comprometido. Isso porque o carnaval, tanto de rua quanto da Sapucaí, é um algo que não existe só naqueles 4 dias que antecedem a quaresma.

No caso das escolas de samba, os meses de março e abril são normalmente usados para férias de alguns profissionais e para desmonte da estrutura do carnaval que passou. Além disso, são feitas as negociações das equipes que farão parte do carnaval seguinte, junto com o anúncio de enredos.

Entre essas tarefas, a que segue pendente é a escolha dos enredos. Temos, aqui, uma divisão entre as escolas de samba cariocas. Havia escolas que já tinham divulgado enredo, como V. Isabel e Mocidade; temos as que optaram por divulgar mesmo após o início das quarentenas, como Viradouro, Beija-Flor, Grande Rio, Unidos de Padre Miguel e Império da Tijuca; e ainda as que têm segurado a divulgação, como Império Serrano, Mangueira, São Clemente e Portela. Em alguns casos, a divulgação do enredo teve a ver com datas específicas ou com o tema (são os casos de Grande Rio e Viradouro).

Não há ainda definição formal da LIESA e LIERJ (ligas que organizam o desfile do Grupo Especial e Série A) sobre o que fazer com o carnaval do próximo ano. Em participação no programa Bar Apoteose, Gabriel David, da Beija-Flor, afirmou que os barracões, especialmente do Grupo Especial, não teriam problema em funcionar desde já, pois seriam lugares arejados e onde não há aglomeração de pessoas. Ainda segundo ele, as escolhas de samba-enredo e o sorteio da ordem dos desfiles (eventos que ocorrem normalmente de agosto a outubro) poderiam ser feitos virtualmente através de lives e que o maior impeditivo para o desfile de 2021 acontecer no carnaval seriam os ensaios, que tem que começar em novembro e dependem de aglomeração.

Enquanto aguardamos uma plenária da LIESA sobre o tema, vale a pena fazer considerações sobre a “mensagem otimista” propagada pelo dirigente da Beija-Flor. A primeira delas é que uma parte importante da confecção das escolas não é feita nos barracões e sim na casa de costureiras ou ainda em barracões menores, espalhados pela cidade. Isso também vale para as escolas que não são do Grupo Especial e que tem barracões bastante precários. Além disso, há outros setores que já ensaiam desde já, como a bateria. Outra questão é que esperar até novembro para tomar uma decisão seria no mínimo temerário.

Entendo que as escolas de samba deveriam desde já tomar uma decisão sobre 2021: ao invés do desfile, organizar um “festival de escolas de samba”, com apresentação de bateria, intérpretes e demais segmentos das escolas, ao som de sambas clássicos de cada agremiação. Esse festival seria realizado em algum feriado ou fim de semana de maio ou abril. E os enredos até agora escolhidos? Ficam para 2022.

Além do vírus, temos ainda um obstáculo econômico, visto que nos últimos anos os lugares da Sapucaí têm sido ocupados basicamente por turistas nacionais e estrangeiros. Diante do cenário em que o Brasil cada vez mais está virando um pária internacional, a quem seriam vendidos os ingressos?

Outra situação é a do carnaval de rua. Ainda que com uma estrutura mais fluida que as escolas, muitos blocos tem também atividades durante o ano todo, sobrevivendo financeiramente realizando oficinas (de instrumentos, de pernaltas e outras) e shows.

Com o cancelamento desse tipo de evento, muitos blocos estão se reorganizando e se adaptando ao novo cenário promovendo, por exemplo, aulas virtuais. As dificuldades se ampliam quando pensamos que a Cultura já era um setor que vinha sofrendo com a falta de financiamento público pelo menos desde 2016.

Para o desfile em si, a organização dos blocos requer bem menos tempos que das escolas de samba. O Cordão do Boitatá, por exemplo, um dos blocos com mais estrutura do carnaval carioca, conquistada a partir do autofinanciamento, começa normalmente seus ensaios e sua campanha financeira em janeiro.

Considerando essas questões acima, acredito que haverá carnaval de rua em fevereiro de 2021, seja ele através dos blocos mais organizados e tradicionais ou através de muita gente saindo na rua para extravasar.

Contextos para além da organização dos blocos e escolas

Vale lembrar que estamos diante de um contexto que ainda há uma expansão da COVID-19, eleições municipais, crise no governo estadual diante de um provável impeachment, crise política em nível nacional e uma dificuldade objetiva em realizar isolamento social, devido à aglomeração das favelas e comunidades e ao pouco auxílio financeiro por parte dos governos para as famílias que dependiam de empregos informais e/ou temporários.

Com a reabertura do comércio, dos shoppings e com a volta até do campeonato estadual de futebol, parece que contamos apenas com a sorte para não termos uma tragédia. Como o coronavírus parece não dar bola para isso, é preciso analisar também alguns cenários da expansão da epidemia.

Segundo a pesquisa Ibope/UFPel, cerca de 7% da população da cidade do Rio de Janeiro já teve contato com o vírus e adquiriu imunidade (que se especula que pode durar por 18 meses). Isso aconteceu em 3 meses de expansão do vírus durante um isolamento social de aproximadamente 50% da cidade. Para se chegar num contingente grande de pessoas já imunizadas a ponto de impedir a circulação do vírus, estimado em 70%, seria necessário multiplicar por 10 o que tivemos até agora. Isso nos levaria a um cenário de mais de 50.000 mortes, apenas na capital do estado. Proporcionalmente, é menos que os 2,5% que faleceram em 1918 (e isso provavelmente se deve ao isolamento meia-boca feito de março a junho e a estrutura de saúde pública que ainda resta por aqui).

Se a “sorte” for a “política pública” vencedora, estaremos diante de um cenário de tristeza e desesperança ainda maior que o atual. Neste cenário, certamente haverá um momento de catarse coletiva, provavelmente na data do carnaval. Diante do desmantelamento das políticas de saúde e da capitulação das autoridades públicas ao negacionismo de Bolsonaro e sua trupe, eu arrisco dizer que, infelizmente, haverá carnaval em fevereiro de 2021. Só não dá pra dizer se eu e você estaremos vivos para presenciar e participar desse momento.

* Bernardo é sociólogo e leva a sério a brincadeira do carnaval. Seus textos são encontrados também no @carnavalicia

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