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resenha

RESENHA_ O Gabinete do Doutor Blanc

Por Victor Escobar*

Sempre gostei de jazz, mas não me lembro de quando essa relação começou. Tenho uma vaga lembrança do que dizia minha mãe: “jazz é música de restaurante e motel”. Até que faz sentido, a gente escuta enquanto come alguma coisa…

Bom, mas não foi comendo nada, nem ninguém, que o conheci. Pensando no caso, talvez eu possa atribuir esse encontro aos filmes do Woody Allen, onde os grandes nomes do gênero são trilha sonora obrigatória quando o cineasta não cisma com música clássica, ou aos canais de música na tevê a cabo – pensei até em enviar um email agradecendo à SKY. Costumava ouvir quando estava ocioso, pra romper com o silêncio. Aliás, que me perdoem por ter a mesma ousadia que o doutor, mas vejo (ou melhor, ouço) o jazz como aquele flerte com a nova colega de trabalho – linda, diga-se de passagem – que deu certo: no começo, você não acredita e não entende muito bem o que está acontecendo; quando percebe, já está imaginando as férias de final de ano, a casa no campo e os filhos. Depois disso não tem volta. Nunca tem.

Não satisfeitos em terem me apresentado o jazz, aqueles canais mequetrefes, que ouvia diariamente, acabaram me viciando no babado. Chegou uma época em que não importava o que eu estivesse fazendo, quando o som dos trompetes, do sax alto ou do contrabaixo me pegavam, largava tudo para anotar o nome da música, do álbum e do artista.

Depois começava a saga para encontrá-los na internet – mas, vai, não era tão difícil assim em tempos de Google e Wikipedia. Tenho certeza que nisso o Doutor Aldir teve muito mais trabalho do que eu. Pois bem, era só escrever e apertar o enter que – tchan – estava eu em New Orleans no início do século XX.

Foi desse jeito que ouvi pela primeira vez “Kind of Blue”, disco obrigatório e mainstream do gênio Miles Davis, no Youtube, onde as propagandas me interromperam umas seis vezes durante 55 minutos e 24 segundos do disco. Também foi por conta desse casamento entre canal de áudio e internet que comprei meu primeiro CD de jazz, um disco triplo de Duke Ellington, que passei o dia inteiro escutando. Juro: foi mais forte do que amor verdadeiro! Lembro melhor de quando escutei esses discos do que quando dei meu primeiro beijo numa paixão de infância, uma vizinha que todo mundo deu o seu primeiro beijo, óbvio, antes de mim.

Pensava que, em matéria de jazz, eu estava aprendendo a engatinhar e que logo sairia das fraldas e deixaria de feder a leite. Pelo menos era o que achava. Já me dava por satisfeito em estar enturmado com os maiores nomes e os maiores clássicos – mais do que isso é pedir demais. Batizado na matéria, talvez? Talvez, mas não. Escutei o que saía por debaixo da porta do Gabinete do Doutor Aldir e percebi que eu não era nem mórula, nem blástula, nem porra nenhuma. Pra ser benevolente comigo mesmo, quem sabe eu não tivesse sido uma esporrada em vão numa página da Playboy comprada escondida no jornaleiro de esquina? Sim, depois de ler o livro do Aldir, foi assim que enxerguei minha relação com o jazz. Aliás, que negócio mesmo é esse de “Jázz”?

  Parece que foi a arte do improviso que picou o doutor e jazzófilo – que nome bonito! – Blanc. Mas, lendo crônica por crônica, pude perceber que ele não fez muita questão de seguir o charme do jazz para escrever. Diferente dos solos de um sax tenor – mas tão genial quanto – Adir, o ouvinte inteligente, escreveu com propriedade e riqueza de detalhes próprias de um grande conhecedor do assunto, ou melhor, mais do que isso: dignas de quem deve ter sido o psiquiatra de todas essas figuras.

Agora sim faz todo sentido: trancafiado em seu gabinete, Doutor Blanc atendia Nat King Cole, Jonh Coltrane, a quem a intimidade permitia chamar de Trane Train, Charlie Parker, Max Roach, Clifford Brown, Freddie Hubbard, Ella Fitzgerald, Ray Brown, Chet Baker, Dizzy Gillespie, Charles Mingus, Bill Evans, enfim, o time completo. O que ele nunca conseguiu foi fazer Louis Armstrong tocar impunemente.

Começou de levinho, mas na verdade eu não estava lendo. O que estava mesmo era ouvindo o Doutor Blanc tocar com palavras um novo tipo de jazz que, embora não fosse improvisado, também deixava marcas profundas no leitor, invariavelmente ouvinte. Blanc jazz? Pode ser. Melhor deixar a critério do Aldir.

*Victor é advogado, escritor, peladeiro do Paranauê FC e, por sorte, torcedor do Flamengo e da Beija-Flor.

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A comunicação do oprimido em resenha da Poli

A revista Poli, publicação da Escola Politécnica da Fiocruz, publicou em sua primeira edição de 2015 uma resenha do livro “A Comunicação do oprimido e outros ensaios”. A resenha é de Erick Dau, jornalista e aluno do programa de pós-graduação0 em comunicação e cultura da UFRJ. Leia o texto na íntegra ou na própria revista através do link: bit.ly/16a14bi

***

Não passa ainda de sua pré-adolescência o século 21, e já é assaz eloquente a respeito de seu futuro. A se julgar pela infância, cheia de profundas crises e graves traumas, sua idade adulta não será provavelmente um mar de tranquilidade como seus ancestrais repetidamente previram e – cinicamente – desejaram. Para uma breve ideia, faça-se lembrar que sua primeira guerra, a invasão norte-americana ao Afeganistão, ainda hoje não está terminada.

As múltiplas faces da história, contudo, demandam um olhar mais otimista para esse despertar de século. As rebeliões do mundo árabe, o despertar da juventude europeia e aqui, no Brasil, a tomada das ruas no movimento de junho – todos estes episódios trazem consigo importantes lições. Sem dúvida, uma das mais fundamentais e importantes tem a ver com o proeminente papel da comunicação nos processos subversivos do capitalismo mundializado.

A Comunicação do Oprimido, novo livro de Eduardo Granja Coutinho, vem contribuir para corrigir o descompasso político e temporal entre os movimentos sociais organizados no Brasil e o papel crucial da comunicação em suas lutas. Reunindo 11 artigos atravessados pela questão da via pacífica de nossa formação social e amplamente referenciados pela obra de Antonio Gramsci, o livro discute a comunicação no
Brasil de maneira ampla.

Deste modo, analisa por exemplo a fala de Bezerra da Silva como forma de contestação da hegemonia pela música; traz a crítica literária de Carlos Nelson Coutinho para traçar o panorama cultural literário nacional; evoca o pensamento de Muniz Sodré no reconhecimento da cultura negra – em especial do samba – na fundação de uma cultura brasileira.

É claro que um trabalho como este não poderia deixar de falar da Rede Globo – fato raríssimo entre os intelectuais da comunicação no Brasil, mesmo os de esquerda. Em ensaio dedicado ao tema, Coutinho traça precisamente as relações entre a TV Globo e a ditadura militar no país.

O conjunto do livro está, de fato, baseado em uma análise histórica da formação cultural brasileira – no campo da televisão, da linguagem, da música, da literatura, da imprensa – aliada às características fundamentais
dos processos de desenvolvimento do país. Por isso, o livro tem o grande mérito de trazer para o lado esquerdo deste terreno – o da luta de classes – uma certeza que há muito já é conhecida pelos donos do
poder: a comunicação é fator fundamental para a vitória de qualquer projeto político – condição que se aprofunda conforme avançam as técnicas e os meios de produção específicos da área comunicacional e, com eles, o controle social dos discursos.

“Em última análise, todo processo de hegemonia é, necessariamente, um processo de comunicação. […] Pela comunicação, formam-se e transformam-se as ideologias que agem ética e politicamente na transformação da história.”, diz o autor, num postulado que se mostra especialmente correto para este século pré-adolescente.

Não há, entre os ensaios, grandes promessas ou fórmulas para a salvação da humanidade. Ao contrário, o problema da comunicação como meio de dominação e hegemonia é tratado com pinça e lentes de aumento, nos seus mínimos detalhes. Nesta minúcia, inspirada pela ciência marxista, Coutinho deixa transparecer, ao lado da oportunidade e da responsabilidade dos movimentos sociais de se apropriarem da comunicação, todas as dificuldades e as idiossincrasias que tamanha tarefa encarna.

Se os ensaios mostram que, por um lado, a comunicação serviu à criação do consenso entre as classes subalternas no país, por outro, ela também foi e deve ser o meio de propagação da luta contra-hegemônica

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