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PTSC #17 :: Gabriel da Muda

Se você gosta de samba, é muito provável que já tenha acompanhado uma roda com a presença dele. E não importa se você é do Rio ou não. Uma das rodas onde o sambista Gabriel Cavalcante marca presença semanalmente, o Samba do Trabalhador, já entrou para o roteiro obrigatório da cidade e já leva milhares de turistas à Zona Norte.

Gabriel é sambista, flamenguista e tijucano. O bairro onde nasceu, cresceu e vive até hoje, ele carrega no nome: Gabriel da Muda, como é mais conhecido. O samba é fundamento e paixão, características fáceis de notar nas rodas onde toca. Atualmente, além do Samba do Trabalhador, ele faz parte do Samba do Ouvidor, movimento que leva milhares de pessoas ao centro do Rio de Janeiro para uma roda na rua e gratuita. Do Flamengo, preferimos não comentar.

O papo que tivemos com Gabriel não podia fugir desses temas. Da Tijuca ao samba, procuramos saber um pouco mais da tradição e fundamento que pautam o trabalho deste carioca talentoso. E como não podia deixar de ser, aproveitamos para pegar umas dicas sobre bares imperdíveis na cidade. O músico deu boas indicações e ainda alfinetou os conservadores: sambista não tem que morrer descalço no balcão tomando cachaça 51. Pode muito bem curtir um risoto acompanhado de um drink de vez em quando.

Abre uma cerveja, solta uma música e confere aí nosso ser complexo da vez:

_Já vimos mais de uma entrevista sua na qual você fala com orgulho que “canta sambas que o público não conhece”. Quem vai ao Samba do Ouvidor sabe bem disso. Como você escolhe seu repertório?

Costumo seguir minha intuição. Sou um cara observador. Procuro tentar sentir o que seria bom para as pessoas ao redor das rodas em que canto ouvirem. Às vezes dá certo, e quando não dá, tenho que pensar numa próxima que dê. Gosto muito desse desafio. O orgulho que tenho é justamente de poder apresentar algo a quem não teve a oportunidade de conhecer como eu tive, mas sem a pretensão de ser o descobridor dos tesouros perdidos. Gosto de cantar samba bom e ponto. Independente de ser conhecido ou não, tem que ser bom.

_Você hoje integra dois sambas muito populares no Rio, o Ouvidor e o Trabalhador. Um é gratuito e na rua e o outro na Zona Norte com um preço muito acessível – bem diferente do que vem acontecendo com o resto da cidade. Por que esses espaços são importantes? Qual o significado de uma roda de samba para você?
O samba é uma das manifestações populares mais fortes e que mais resistem em nosso país. Passa ano, entra ano, lá está o samba: na novela, num canto de torcida, num botequim ou seja lá onde for. Não fossem os movimentos populares, me refiro às rodas, o samba provavelmente não teria resistido, pois se o tiramos de onde ele vem, do povo, ele morre.

Não sei se o Samba do Trabalhador ou o Samba da Ouvidor terão, futuramente, um lugar nas páginas dessa linda história, espero que sim, mas acho que estamos fazendo a nossa parte. Cantar na rua é o que me faz chegar perto do que considero plenitude.

_Pela sua trajetória dá para perceber que você se dedicou pouco (ou nada) ao que você chama de samba “entretenimento”. Qual a concepção que te guia na sua carreira de sambista?
O samba, de uns tempos pra cá, salvo raríssimas exceções, virou uma ferramenta de entretenimento. Sinceramente, não acho isso errado. Entreter faz parte da história. O que incomoda é a falta de compromisso com o que se faz. Quando se faz com amor e com o coração, quando se tem verdade e quando é feito com respeito, não me importo se a uma das finalidades for entreter também. O problema é entreter por entreter.

É óbvio que todos precisam sobreviver, mas ando um pouco cansado do que virou o samba para a noite carioca. Entretenimento e nada mais, com exceções sempre, claro. Sinto falta de comprometimento dos músicos, que muitas vezes prezam pela quantidade de lugares para tocar e esquecem da qualidade. Apresentar algo sem fundamento ao público é prejudicial.

As pessoas confundem radicalismo com sectarismo. Não é por aí. Meu radicalismo é seguir firme no que acredito, sem me preocupar se estou agradando ou não, se a música é inédita ou não, como já disse antes, tem que ser boa, e talvez esse seja o grande motivo do sucesso nas rodas que tenho a honra de participar.

O que me guia nisso tudo é a vontade de cantar samba, é o desejo incontrolável de oferecer horas de alegria e reflexão a quem me ouve. A música tem esse poder. Por tocar em dois grandes movimentos na cidade, me emociono quando vejo que alguém dedica uma hora do seu dia para me ver. Esse é, sem sombra de dúvidas, o maior presente que a música me dá.
_Quem te acompanha nas redes sociais sabe do seu gosto por comida e cerveja. Você poderia listar 3 lugares indispensáveis no Rio de Janeiro, onde certamente a gente te encontrará para uma cerveja?
Até a paixão pelo mundo gastronômico o samba me proporcionou. Lembro-me saindo de casa, há uns dez anos atrás, para comer pé de porco e pescoço de galinha com o Moa, pelos botequins mais imundos do Rio de Janeiro. Graças ao samba, tive a oportunidade de conhecer meu país, cantando em diversos lugares diferentes, com culturas diferentes e culinárias incríveis.

Difícil citar apenas três lugares, diante de tantos que vou, mas fico com o Bar do Momo, aquele que considero o do coração. E não é por ser em frente à minha casa. O Bar do Momo, de todos os pé sujos tradicionais que rodei, é o melhor. O outro é o Bar da Gema, que considero de cabeceira também. A 500 metros de casa, posso comer o melhor pernil e a melhor coxinha do Rio. Precisa mais? Por fim o Cachambeer, pérola do subúrbio carioca, costela que desmancha, chope imbatível e Marcelo Novaes, um gênio da boemia carioca.

UM DISCO

“Cego é aquele que vê somente o que enxergam seus olhos, passa por isso a viver.

Com vendas, bitolas, antúrios.

Cego é quem olha pro mundo e o mundo se põe como centro, sem enxergar um segundo o mundo do mundo de dentro.

Cego só vê a medida do que alcança a visão, não olha nunca pra vida com olho do coração.

Cego que só pede a vista, não fica nunca capaz, pois o que faz vir artista, passa enxergar muito mais…”

Mundo de Dentro
Dori Caymmi
Music State, 2010

Tirando os três, gosto de ressaltar que não sou desses que acha que sambista tem que morrer bebendo 51 na tendinha, de pé descalço, sem dente e cantando partido alto. Tem gente que acha que só é sambista quem segue a risca essa rotina, acredita?

Eu, por exemplo, gosto de beber um drink no Paris, anexo da imponente Casa Julieta de Serpa. Amo beber um chope, excelente por sinal, na varanda do Astor, vendo o sol se juntar ao Dois Irmãos. Sorvete é na Momo Gelateria, na Dias Ferreira, e não é por ser homônimo do meu bar do coração, é que realmente os sorvetes são incríveis. E por que não um pato ou um risoto no Bazzar, em Ipanema? Ou um chope no Adônis, em Benfica? Ou uma codorna no Feio, no fim da Dias da Cruz? Ou uma cerveja trincando no Bode Cheiroso?

_ A Tijuca basta?
A Tijuca é o melhor lugar para se viver. Foi aqui que aprendi o que é samba, foi aqui que bebi minha primeira cerveja, aqui estão os meus lugares favoritos da vida. A Tijuca é um bairro com alma, onde todos se conhecem, onde há solidariedade.

Por fim: o malandro que sai de casa domingo às 8 da manhã dizendo para a mulher e para as crianças que vai comprar o jornal. Direto ao bar, encontra os velhos amigos de balcão. Uma da tarde, almoço na mesa, crianças com fome e a mulher irada. Às duas, chega o sujeito, embriagado e sem o jornal. Ouve meia dúzia de desaforos da mulher, almoça, deita e pede para ser acordado na hora do jogo. Acorda duas horas depois do jogo, bebe uma água e: até segunda!

Isso é Tijuca!

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