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PTSC #13 :: Caroline Bordalo

Em mais uma semana de ruas lotadas nos atos em apoio aos professores do município e do estado do Rio de Janeiro, nossas perguntas triviais não podiam ser diferentes. O ser complexo da semana é Caroline Bordalo, professora da rede estadual. Ela está em greve, como tantos de seus colegas, e nessa entrevista explica as razões que a têm levado semanalmente para a rua.

Pedimos a Caroline, como de costume, a indicação de um livro. Ela optou por enviar dois filmes e uma frase que vem sendo reproduzida entre professores em greve no Chile, no México e aqui: “ser professor e não lutar é uma contradição pedagógica”.

Sem muita enrolação, vamos direto para a entrevista, Caroline tem muito para dizer. Com vocês nosso ser complexo #13:

_Por que você aderiu à greve dos professores?

Porque a única resposta a todo esse processo de destruição da educação pública é a greve. Simplesmente não há outro meio de reverter esse quadro que tem se agravado de forma ainda mais veloz no governo Sérgio Cabral. Para além de todo sucateamento amplamente conhecido pela sociedade, o nosso cotidiano é marcado pela pressão em cima de todos os trabalhadores da educação que são vistos como os principais responsáveis pela suposta baixa qualidade do ensino público, pelo autoritarismo da secretaria de educação, pela desqualificação do nosso trabalho e pela perda da nossa autonomia pedagógica que, ao fim e ao cabo, significa a total descaracterização de nossa profissão. E é importante pontuar que temos total consciência de que o que estamos enfrentando no Rio de Janeiro é a mesma realidade de todos os professores não apenas do nosso país e que estamos enfrentando um projeto privatista de educação que já devastou países como Chile e México. A nossa luta é uma só e essa greve de 2013 cumpre um importante papel quando expõe para toda a sociedade o que de fato está acontecendo na educação pública, quando denuncia que este modelo de educação não interessa aos trabalhadores e conecta o nosso movimento a outras iniciativas de resistência.

_Há quem defenda que a greve prejudica os alunos. Você concorda?

De forma alguma. Todos nós que aderimos à greve temos claro que o que prejudica o aluno é não lutarmos por uma educação que atenda aos nossos interesses. O argumento de quem defende que a greve prejudica o aluno está sempre baseado em enormes equívocos. Primeiro, porque tende a considerar que o professor está na greve por interesse próprio, por reajuste salarial pura e simplesmente e aí o aluno ficaria em segundo plano. Segundo, porque não são curtos períodos de greve (considerando toda a vida escolar) que trazem danos ao processo de ensino-aprendizagem. É evidente que a questão salarial é fundamental. É fundamental para todos os trabalhadores, não é verdade? Logo, ela sempre será uma reivindicação justa. O que é preciso que se perceba é que a nossa luta é maior e essa questão se articula a outras reivindicações político-pedagógicas. Em resumo,o que prejudica os alunos é essa política educacional precária que os expulsa da escola (os índices de evasão escolar são assustadores) e que faz com outros tantos concluam o ensino médio com muitas deficiências.

_Você é professora de sociologia da rede estadual. Que alegrias isso te dá e que dificuldades há no caminho?

Bom, a Sociologia é uma ilustre desconhecida dos alunos quando eles chegam no ensino médio e temos uma enorme dificuldade em fazê-la mais presente nas suas vidas porque o Estado nos nega isso. Assim como a Filosofia, temos cinquenta minutos semanais nos dois primeiros anos e apenas no terceiro temos 100 minutos (dois tempos de aula). O que é uma verdadeira aberração pedagógica. As dificuldades são enormes e, inclusive, uma das nossas reivindicações nesta greve é que não exista nenhuma disciplina com menos de 1 tempo de aula. Por outro lado, e mesmo com tantos limites, eu sou encantada com as possibilidades que temos nas mãos. A Sociologia apresenta aos alunos instrumentos para que questionem aquilo que lhes é apresentado como imutável, os alerta para a permanente mudança social e para o nosso papel nesse processo. Mas, no atual contexto, eu acho que a Sociologia muitas vezes aparece também como uma aula diferente, que instiga o debate de ideias e estimula os alunos a se colocarem no meio da discussão, a trazerem para a escola as suas experiências. Mesmo com tantas dificuldades, ainda temos muitas possibilidades. Mas isso exige posicionamento diante dessa política do governo, exige que se olhe para os alunos de forma menos idealizada e se repense esse modelo de escola onde nem alunos nem professores têm mais lugar. Para o governo nós somos somente números, índices. A escola como está nos desumaniza.

DOIS FILMES


Pequeno grão de areia,
sobre a luta dos professores de Oaxaca,
no México.


A rebelião dos pinguins,
sobre o movimento dos estudantes secundaristas
no Chile.

_Sabemos que você é filha de professores. Como é ser filha de professor?

Meus pais são professores e desde muito cedo desenvolvi esse respeito em relação à profissão. Uma profunda admiração por quem tem como ofício compartilhar tudo aquilo que sabe, todo conhecimento acumulado, que dedica a sua vida a produzir mais conhecimento e a descobrir a melhor forma de fazê-lo. Por outro lado, eu sou fruto de um momento onde a profissão já estava numa veloz desvalorização e isso repercutiu nas minhas perspectivas profissionais. Não pensava em ser professora. Mas, uma vez em sala de aula, me apaixonei por aquilo. Vou contar uma história bem rápido, só para ilustrar mesmo. Meu pai sempre foi professor e enfrentou uma doença grave que o levou ao coma por três vezes. Entre um coma e outro ele corria para a sala de aula. Mesmo muito debilitado, magro demais, já com as sequelas da doença e de bengala, ele não se afastava da sua sala de aula. Durante uns bons anos eu me perguntava o porquê dele insistir em dar aulas mesmo tão fraco. Hoje eu entendo que aquilo era parte dele e que ele viveu um período onde se valorizava o seu trabalho. Existia dedicação mas também uma profunda identificação com o trabalho que se desenvolvia. Muito diferente do que temos hoje.

_O que é que o professor que está lutando está ensinando?

No Brasil temos longa história de lutas, de organização sindical, movimentos sociais. Mas ainda assim, a cada dia se trabalha muito na produção do esquecimento dessa rica história política. Temos muita gente empenhada em que essas experiências, quando muito, sejam percebidas de forma desconectada com os problemas que enfrentamos diariamente. Existe uma aposta muito grande na produção de esquecimento e do medo de se lutar por transformações mais profundas. Quando lutamos por melhores condições de trabalho, por uma outra educação e que para isso se faz necessário a greve, estamos todos convictos que qualquer conquista será fruto dessa luta. Não é nada fácil estar em greve porque é um momento de embate, de mais ameaças e retaliações. Para os alunos e para a sociedade com um todo, o que estamos ensinando é que ser omisso significa contribuir para o agravamento dessa situação que já nos parece insustentável, que só através da nossa luta teremos conquistas. Continuar trabalhando como se nada de grave estivesse acontecendo é oferecer de bandeja o silêncio tão necessário para que tudo continue como está. Seremos brutalmente reprimidos? Sem dúvida. A repressão dos últimos dias só evidencia ainda mais como é perigoso lutar pelos seus direitos ou qualquer tipo de mudança que beneficie a população. Desistiremos? Jamais! Se equivoca aquele que acha que a repressão destrói os laços que nos unem na luta.

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