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Caboclo da Vila

Com a proximidade dos 80 anos da morte de Noel Rosa, a Mórula homenageia o sambista com o lançamento de “Conversas de Botequim“, reunião de 20 contos inspirados nos títulos de suas canções, escritos por 20 autores de diversas partes do Brasil. O texto abaixo, sobre o compositor, é de autoria de Luiz Antônio Simas e integra o livro “Pedrinhas Miudinhas“.


Noel Rosa é um dos inventores do Brasil, gênio da raça. Deveria ser ensinado nas escolas, cantado nas universidades, bebido nos botequins, saudado nas esquinas e reverenciado nos terreiros.

Noel Rosa é Exu e Oxalá ao mesmo tempo – homem da rua, dono do corpo, malandro maneiro, azougue de céu e terra, civilizador afoito e velho sábio. Feito Obatalá bebeu o vinho de palma, dormiu na sombra da palmeira, largou a medicina como se larga a tarefa de Olodumare, zombou da sorte, não criou o mundo mas moldou no verso – ritmado em samba – o homem.

Noel Rosa é tapa na cara do preconceito e prova evidente de que o maior elemento civilizador do Brasil é o samba. Não pensou em remover favela – subiu o morro, aprendeu, ensinou, bateu, levou e inventou a vida entre o pandeiro e a viola. Branco azedo entre os pretos, feito camisa do Botafogo.

Noel Rosa é conversa de botequim, futebol no rádio de pilha, conta pendurada, caldo verde pra curar ressaca, conversa fiada, sacanagem no portão, punheta de garoto, pêra uva maçã salada mista, selo carniça nova, pipa no céu, bola ou búlica, vida pela sete, com tabela na caçapa do meio. Brasil que gosta do Brasil.

Noel Rosa é festa da Penha, novena, quermesse, tambor de mina, sessão de mesa, doce de Cosme, baile nos infernos, flor e navalha, afago e pernada, gol de letra e gol de mão, pomba da paz e galo de rinha, Estácio, Tijuca, Vila – o Brasil que sabe, e Morengueira confirma, que em casa de malandro o vagabundo não pede emprego.

Noel Rosa viveu no tempo em que do morro da Mangueira se enxergava a Vila Isabel. Hoje, entre o Buraco Quente e o Boulevard, existe o prédio da Universidade do Estado do Rio de Janeiro pra esculhambar a vista – e não se ensina o poeta, e não se canta o poeta na universidade: Pior pra ela.

Noel Rosa nunca morreu; encantou-se em Vila Isabel aos vinte e seis anos, feito Mestre da Jurema, Zé Pilintra, caboclo de pena, boiadeiro de laço, erê de cachoeira, bugre do mato, malandro da encruza e exu catiço.

Noel Rosa é da família dos encantados que moram nas esquinas, campos de várzea e botecos vagabundos, e baixam quando a noite é grande e a cachaça é farta: Mané Garrincha, Aleijadinho, Bispo do Rosário, João da Baiana, Cartola, Mãe Senhora, Geraldo Assoviador, Villa Lobos, Bimba, Pastinha, Camafeu de Oxóssi e Lima Barreto são da mesma guma de ajuremados – os caboclos nossos, brasileiros.

Noel Rosa é.

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