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PTSC#20 :: Chiquinha

Chiquinha – ou Fabiane – por Marcelo de Holanda

Chiquinha, Fabiane Langona ou a @Elefoa, acreditem, é a mesma pessoa. São seres que “coabitam”, como explica a “dona” desse múltiplo perfil. Cartunista, ilustradora e quadrinista, Chiquinha (vamos optar apenas por uma denominação) publica seus cartuns semanalmente na Ilustrada, da Folha de S. Paulo, e no portal UOL Notícias. Atualmente mora no Rio de Janeiro, saindo de Porto Alegre pra “pagar um aluguel caro” pelas bandas cariocas. Agora em dezembro lança seu segundo livro, “Algumas Mulheres do Mundo”, pela Mórula Editorial, que reúne cartuns e quadrinhos publicados nos últimos anos, a maioria deles no Canal Viver Bem do UOL Mulher e também em sua página, a Chiqsland. Na sequência, nosso ser complexo da vez – Chiquinha ou Fabiane? – responde a nossas perguntas triviais:

1_Por que Fabiane Langona virou Chiquinha?
Bom, a Fabiane na verdade nunca virou Chiquinha. As duas formas nominais coabitam meu ser sem grandes problemáticas. Apesar de que penso em abandonar a Chiquinha. Talvez assinar Fabiane + Sobrenome como a maioria dos autores. Afinal, Chiquinha abandonou Fabiane certa vez. Nada mais justo (papo levemente esquizofrênico, haha).

Mixórdias à parte, a verdade é que amava muito cartunistas gênios que assinavam com um nome só: Jaguar, Fortuna, Sempé. Casando-se a isso, na minha ganguezinha juvenil todos tinham apelidos esquisitos. Peguei o meu e usei de forma que camuflasse socialmente minha produção “desenhal”. Além de que não considerava sonoro cartunísticamente F-A-B-I-A-N-E, além de que todos meus sobrenomes soam sisudos e masculinozões demais.

2_Uma pergunta que todos fazem pra cartunistas. Seus cartuns são autobiográficos?
Em parte. É o meu olhar sobre as coisas. Portanto, tem quase tudo de mim. Não declaradamente, mas em essência.

UM LIVRO

Pensamentos negros ferviam-me na alma: ‘todas as pessoas são estranhas umas às outras, apesar das palavras e sorrisos carinhosos, e sobre a terra em geral, todos são estranhos; parece que ninguém está ligado a ela pelo sentimento robusto do amor (…)’. Às vezes estes pensamentos e outros semelhantes condensavam-se numa nuvem escura. Viver tornava-se penoso, abafado, mas como viver de outra maneira, pra onde ir?

Eu não gostava, tinha asco até, de desgraças, doenças, queixas; quando via algo cruel, como sangue, pancadas, mesmo uma zombaria oral contra uma pessoa, isto me suscitava uma repugnância orgânica; ela transformava-se rapidamente em certo furor frio, e eu lutava como uma fera, depois do que ficava envergonhado até a dor.

Duas pessoas viviam dentro de mim: uma delas, tendo conhecido demasiada imundície e ignomínia, assustara-se um tanto com isto, e acabrunhada com o conhecimento das coisas terríveis de cada dia, passava a tratar com desconfiança, com suspeita, a vida, os homens, com uma piedade impotente em relação a tudo, inclusive a si mesmo.

Ganhando meu pão
Máximo Gorki
Clube do Livro
1949

3_Por que “Algumas mulheres do mundo” é o título do seu novo livro?
O titulo é uma espécie de homenagem ao filme “Todas as Mulheres do Mundo”, dirigido pelo Domingos Oliveira em 1967. Aquela abertura com o Flavio Migliaccio falando que “amor não dá pé” sempre me pegou muito. Assim como a imagem da Leila Diniz, que pra mim é um grande exemplo de transgressão sem discurso. Transgressão na atitude (entendi bem quando li uma entrevista dela n’O Pasquim). Adoro o filme e o que ele representa em se tratando da quebra de tabus românticos e sociais num período tão icônico. Da dúvida entre ser independente ou não. De ser romântico ou não. As memórias do filme ficaram mais fortes ainda agora que estou morando no Rio. “Todas as Mulheres do Mundo” me devolve a sensação de falta, a falta de um Rio de Janeiro não vivido por mim e que ainda tento romantizar. De uma época em que se reivindicava o direito ao prazer numa cidade bem mais idílica. O filme em si não promove uma ruptura clara com certos cânones de gênero extremamente arraigados, mas gosto muito do que ele insinua nesse sentido.
Troquei o “todas”, por “algumas” pra redefinir o significado, tornar mais abrangente sem generalizar.

4_ O que uma gaúcha está fazendo no Rio de Janeiro?
Pegando um bronzeado. Pagando um aluguel caro. E comendo arroish de brocolish, obviamente <3

5_Como é ser uma das poucas mulheres nesse bando de homens cartunistas?
Acabei de ver um video onde o Neil deGrasse Tyson estava dando uma palestra e perguntam a ele por que têm poucas mulheres na ciência. Ele responde que nunca foi mulher, mas que é negro. E que a sociedade o encorajava a ser um jogador de basquete, mas nunca um cientista. Acho que o mesmo raciocínio cabe aqui. Naturalmente numa sociedade dominada e regida por homens brancos o espaço e a liberdade dados às mulheres sempre foi menor e mal distribuído. Nunca ouvi uma mulher ser encorajada a fazer quadrinhos de humor. Cartunista é do mal, ferino, ataca, cutuca feridas. Não parece uma profissão adequada a seres tão delicados e polidos.

Acho que é pela extinção desse enraizamento cultural, onde cada um é desviado ao que vos cabe teoricamente que precisamos ir contra. Acredito estar aí o cerne de qualquer mérito que queiram me atribuir: apenas segui adiante com o que queria fazer. No faço questão de me encaixar em expectativas sociais ou papéis que enquadrem as mulheres em deveres. Seja no sentido padrão de realização doméstico-afetivo, seja no sentido obrigatório de se produzir arte discursivamente engajada, retilínea. Sempre procurei algum tipo de espelho em se tratando de humor, no que de mais grotesco e ridículo eu conseguiria enxergar e transpor. Usar a minha vivência como mulher pra justamente trespassar a clássica e vilipendiosa representação humorística que fizeram de nós desde os primórdios. Focar em questões reais: reais na minha experiência de mulher comum. No mais, nunca me senti hostilizada pelos colegas homens. Quando comecei havia um estranhamento muito grande, isso sim. Mas agora o foco também está na produção das mulheres. Felizmente muita coisa mudou em pouco tempo. O mercado de quadrinhos é difícil para todos.

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